A Frente Nacional dos Consumidores de Energia encaminhou carta aberta ao ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, pedindo o cancelamento do leilão de capacidade para contratação de energia de reserva. O certame programado para 30 de setembro vai contratar de forma compulsória 2 GW de termelétricas a gás natural, previstas na lei da Eletrobras, a um custo anual estimado em R$ 4,7 bilhões.

A correspondência assinada pelas oito entidades que compõem o fórum foi entregue a Sachsida nesta quarta-feira, 10 de agosto. O grupo, instalado oficialmente hoje, em cerimônia na Câmara dos Deputados, defende o adiamento do certame para um segundo momento, para discutir com o Legislativo a revisão da Lei 14.182.

“Nesse meio tempo, nossa proposta é rever as condições apresentadas acima e, principalmente, rediscutir a legislação, de modo a ajustá-la, no Congresso Nacional. O objetivo é que ela realmente reflita, no que diz respeito à contratação de energia, as reais necessidades do setor elétrico brasileiro e não represente custos inadequados aos consumidores de energia”, afirmam as entidades que assinam a correspondência.

O fórum de consumidores é composto por Conacen (Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica), Abividro (Associação Brasileira das Indústrias de Vidro), Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia), Instituto Clima e Sociedade (iCS), Instituto ClimaInfo, Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e Instituto Pólis.

A contratação de 8 GW em térmicas inflexíveis a gás em regiões onde não há disponibilidade do insumo ou infraestrutura de gasodutos foi um dos jabutis negociados com o governo pela base aliada, para garantir a aprovação do projeto que autorizou a privatização da estatal.

“Nós entendemos que esse leilão é legal. O que a gente pretende com o cancelamento é ganhar tempo para voltar ao parlamento e sensibilizar o parlamento de que a contratação de 8GW é prejudicial para os consumidores”, explicou o presidente da Frente, Luiz Eduardo Barata.

Os pontos mais urgentes da agenda do grupo são as térmicas emergenciais contratadas no ano passado, por meio do Procedimento Competitivo Simplificado, e o próximo leilão de capacidade, na forma de energia de reserva. Um segundo leilão de capacidade para contratação de potência está previsto para o fim do ano.

Embora o alvo seja o  adiamento do primeiro desses certames, o fórum cita estudo elaborado pela consultoria PSR sobre a real necessidade de contratação de potência para o Sistema Interligado Nacional. A conclusão é que no horizonte de 2026 a 2029 não haverá demanda no SIN para contratar potência, e, apenas em 2030, no caso mais crítico analisado, haveria necessidade adicional de 500 MW médios.

O Plano Decenal de Energia 2031 também conclui que será necessária contratação extraordinária somente a partir de 2027, e com com térmicas flexíveis, ao contrário do que está definido pela Lei 14.182.

A decisão do governo de não constituir lastro contratual para as usinas no certame do mês que vem deverá ter impactos no GSF das hidrelétricas existentes, que dificilmente poderão ser mitigados no futuro, aponta a carta, frisando que essa decisão teria sido tomada com base em estudo da Empresa de Pesquisa Energética que não foi submetido à consulta pública.

“O fato é que, antes de obrigar os consumidores a suportarem os custos de uma energia sem lastro, seria imprescindível concluir o recálculo das garantias físicas das hidrelétricas em andamento, utilizando as melhores informações possíveis, como a atualização dos usos consuntivos, novas versões dos modelos computacionais e a isonomia nos limites superior e inferior na revisão individual de cada usina. Além das considerações acima, lembramos que o leilão é decorrente de obrigação de construção de térmicas na Região Norte, onde ainda haverá necessidade de implantação de estruturas adicionais de transmissão e de transporte de gás natural”, afirmam as entidades.

Elas argumentam ainda que a ausência de infraestrutura e a insegurança em relação à construção das térmicas representam uma grande ameaça de que, mesmo construídas, elas não tenham condições de operar. E destacam impactos ambientais dos empreendimentos, como o aumento de emissões de gases de efeito estufa pelo segmento de energia elétrica.

Manifesto

O manifesto de criação do Fórum dos consumidores define como missão do grupo contribuir para a reforma do setor elétrico, com a busca redução estrutural do custo da energia para os consumidores, a liberdade de escolha de fornecedores, a alocação justa dos custos e a sustentabilidade na geração de energia.

O documento afirma que “uma série de más escolhas políticas para o setor elétrico tem contribuído para o agravamento” das distorções existentes, que resultam em mais privilégios e subsídios para uns e em aumento de custos para todos. Entre essas escolhas estariam as usinas previstas na lei da capitalização da Eletrobras e as  do PCS, que devem custar mais de R$ 39 bilhões aos consumidores.

O grupo defende a adoção de “ações emergenciais e imediatas” no sentido de conter os retrocessos, antes mesmo da reforma do setor elétrico. Entre essas medidas estão o cumprimento dos contratos das térmicas emergenciais, com renegociação dos que forem capazes de cumprir o edital; a retirada alterações legislativas que obrigam a sociedade a contratar mais fontes fósseis e a não realização do leilão das térmicas previsto para o segundo semestre de 2022.

Racionalização dos encargos incidentes nas tarifas finais e sua transferência para o Orçamento da União, redução dos dos gastos da Conta de Desenvolvimento Energético e dos tributos e aprovação do PL 414 também fazem parte da agenda.