O efeito da descotização das hidrelétricas da Eletrobras não é grande o suficiente para impedir ou mitigar o impacto de um aumento da migração de consumidores para o mercado livre que implique sobrecontratação e custos adicionais para o consumidor do mercado regulado. A avaliação é feita pelo diretor de regulação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, Ricardo Brandão, em entrevista à Agência CanalEnergia.
A entidade propôs na consulta pública do Ministério de Minas e Energia que discute a abertura do mercado que o calendário proposto seja definido somente após a aprovação de medidas da alteração do modelo atual, previstas no Projeto de Lei 414.
O ministério sugere o fim das restrições em 2024 para a entrada no ACL de todos os consumidores regulados com demanda inferior a 500kW, que sejam atendidos em alta tensão.
“A gente entende que não é possível fazer a ampliação da abertura do mercado sem essas medidas antecedentes, porque se for feito dessa maneira a consequência a gente já sabe. Vai ampliar a transferência de custos para os consumidores remanescentes e vai ter o aumento da tarifa para o consumidor”, pondera Brandão.
O mercado regulado das distribuidoras tem um conjunto de compras compulsórias de energia, como as cotas das usinas nucleares Angra 1 e 2 e a energia de Itaipu, além das compras nos leilões de geração, onde são negociados contratos de comercialização de longo prazo. “A gente tem contratos até 2055. E, dentro dessas compras no leilões regulados, especialmente [os das] termelétricas, que estão concentrados nas distribuidoras.”
Essa cesta de contratos traz confiabilidade no setor, mas o custos são alocados de forma desproporcional no ambiente regulado. Esta é a razão pela qual, quando alguém migra para a ACL, deixa para trás custos elevados, especialmente aqueles relacionados à segurança do sistema.
A Abradee aposta no PL 414 porque ele é a proposta legislativa mais avançada no Congresso Nacional. E também porque é fruto de um amplo consenso no setor elétrico, que vem desde a Consulta Pública 33, de 2017, apoiada pelo Fórum das Associações do Setor Elétrico, explica o executivo.
O PL dá tratamento aos contratos legados e aos subsídios, especialmente os de fonte incentivada, que com a ampliação do mercado livre também tendem impactar ainda mais o consumidor cativo. A reforma do modelo comercial do setor prevê ainda a separação das atividades de distribuição e de comercialização regulada; a de lastro e energia, para evitar a criação de novos legados; além da segregação de energia e fio para a baixa tensão, permitindo a oferta de outras modalidades tarifárias.
Custos adicionais criados recentemente pela lei de privatização da Eletrobras serão divididos proporcionalmente entre os mercados livre e regulado. É o caso da prorrogação dos contratos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia, o Proinfa, e da contratação obrigatória de 8GW em térmicas a gás com alto grau de inflexibilidade.
No caso dos 2 GW de pequenas centrais hidrelétricas, também previstos na Lei 14.182, a contratação em certames de energia nova vai criar, no entanto, mais um conjunto de contratos legados.
Para a Abradee, o importante do PL 414 é a separação de lastro e energia, porque ela permite a contratação de termelétricas e de hidrelétricas, se necessário, como energia de reserva, dividindo os custos entre consumidores livres e regulados. A Lei 14.120 já permite a contratação de reserva de capacidade, na forma de energia – caso do leilão de térmicas previsto para 30 de setembro – ou de potência, como o certame marcado para o fim do ano.
Mas ainda existe um passivo a ser considerado, que pode ser equilibrado com uma distribuição diferenciada dos custos das novas contratações durante determinado período, sugere o diretor da Abradee.
“O que a gente coloca na nossa contribuição é que, mesmo com essa separação de lastro e energia, ainda tem um lastro passado, que está predominantemente nas distribuidoras. Por isso que a gente defende que quando for feita essa contratação de lastro, ou de reserva de capacidade, que esse pagamento não seja simplesmente proporcional à participação. Por exemplo, 65%/35%, mas que por seja, por exemplo, zero para as distribuidoras por x anos, até que essa contribuição do pagamento pelo lastro se iguale entre o mercado livre e o regulado. E, a partir desse momento, tenha a contratação proporcional à participação do mercado.”
Outro encaminhamento que ele considera interessante no PL 414 é a contratação de energia nova via contratos de comercialização regulados (CCEARs) com prazos menores que os 15, 20 e 30 anos atuais. É possível fazer contratações mais curtas sem amarrar o portfólio das distribuidoras por muito tempo. E para as térmicas, especificamente, faz mais sentido contratar como lastro ou reserva de capacidade. Há ainda a possibilidade de ter flexibilidade na gestão do portfolio, reduzindo a obrigação de contratação das distribuidoras.