A portaria que permite a rescisão dos contratos das usinas vencedoras do Procedimento Competitivo Simplificado é vista como um primeiro passo para a solução de um problema que vem sendo debatido desde que essa energia se provou desnecessária. Mas ainda não é possível avaliar como será a adesão dos geradores à revogação amigável dos contratos emergenciais proposta pelo Ministério de Minas e Energia.

Para advogados ouvidos pela Agência CanalEnergia, a existência de processos administrativos com pedidos de excludente de responsabilidade torna o quadro ainda mais impreciso. E uma decisão final da Agência Nacional de Energia Elétrica negando os pedidos dos agentes pode levar alguns deles a recorrerem ao Judiciário.

Entre representantes de consumidores, no entanto, o clima foi de comemoração. A Frente Nacional dos Consumidores de Energia destacou em nota que a decisão deve representar uma economia de R$ 30 bilhões na conta de energia elétrica.

O grupo formado por Abrace e Anace (grandes e médios consumidores), conselhos de consumidores, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Instituto Pólis, Instituto Clima e Sociedade e ClimaInfo considera que as diretrizes para a rescisão dos contratos do PCS e a redução de 38,9% na tarifa de Itaipu para 2023 são “medidas importantes e um aceno fundamental para o Setor Elétrico Brasileiro, indicando que os consumidores estão ganhando espaço no debate e nas decisões que os impactam.” A frente lembra, porém, que ainda há muito a ser feito.

A redução na tarifa da hidrelétrica binacional foi anunciada pelo MME na última segunda-feira, 19 de dezembro. A medida, segundo a nota da frente, deve trazer impacto relevante na tarifa de energia dos brasileiros, e é uma oportunidade para garantir que todos os consumidores tenham livre acesso direto à futura energia competitiva de Itaipu, sem intermediários.

Contratação emergencial

A compra simplificada de energia de reserva de 17 usinas, a maioria termelétricas, foi realizada em 25 de outubro de 2021. O certame resultou na negociação de contratos de energia de reserva ao preço médio de R$ 1.563,61/ MWh, para atendimento às regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul de 2022 a 2025. Uma parte dos empreendimentos entrou com atraso e outros descumpriram a data limite de 1º agosto desse ano para operação comercial.

A Portaria Normativa 55, do MME, prevê a rescisão amigável dos contratos dos agentes que entraram em operação dentro do prazo limite. O ministério informou que apenas sete usinas poderão ter os contratos revogados sem ônus para o gerador. As outras dez podem ter os contatos extintos por descumprimento das regras e terão que pagar mais de R$ 9 bilhões em multas.

O diretor de Regulação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, Ricardo Brandao, que é advogado, disse que tem muita esperança de que tudo seja resolvido. Ele avalia que a portaria dá conforto à Aneel para tratar da encerramento amigável da contratação com os agentes que cumpriram suas obrigações, mesmo que com atraso, mas tem uma energia que não é mais necessária. Sem esse instrumento, a agência não poderia encerrar a contratação.

Brandão considera que a resolução indicada na portaria é um processo relativamente simples. “Pelo que eu entendi, encerrados os contratos, são feitos os pagamentos até aquele momento e pronto.” Embora não tenha uma grande expectativa de adesão por parte dos geradores, ele destaca um aspecto que pode ser vantajoso para eles na revogação, que é o alto custo do gás.

O advogado, que já foi procurador-geral da Aneel, defende a rescisão com ônus para quem descumpriu a regra, que previa a operação comercial dos empreendimentos a partir de 1º de maio desse ano, com tolerância de 90 dias, encerrados em 1º de agosto. Lembra que não aplicar essa regra e fazer a rescisão amigável para esses agentes dá uma sinal ruim para os demais concorrentes que ofertaram energia por um valor maior, precificando os riscos, e não saíram vencedores do certame.

Em uma futura licitação, esses competidores podem simplesmente baixar o preço, contando com uma eventual flexibilização das penalidades. “Tem uma coisa que a gente chama de risco moral. Dá um sinal para os próximos leilões de que posso dar um valor mais baixo pra derrubar meus concorrentes. E, se der errado, faço a rescisão amigável”, disse. Ele também vê risco de judicialização por parte dos agentes que não conseguirem reverter a situação e não verem atendidos os pleitos de excludente de responsabilidade feitos à Aneel. Isso não quer dizer que vai ser fácil ganhar recorrendo ao Judiciário.

Outro advogado, Caio José de Oliveira Alves, do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso, considerou a portaria muito genérica. Ela traz apenas diretrizes, estabelecendo prazo de 60 dias para que os geradores apresentem à Aneel o termo de adesão ao acordo de rescisão.

Na nota técnica de consolidação da consulta pública que discutiu a portaria, o ministério admite que o ato dá orientações gerais para solução do impasse, e que “os procedimentos para operacionalizar a medida ficarão a cargo da Aneel, na qualidade de gestora dos contratos.

Alves considera que a iniciativa do MME é boa no sentido de desonerar a tarifa. E acredita que pode haver algum questionamento em relação ao prazo para adesão, que pode não ser suficiente, dada a existência de processos administrativos de excludente de responsabilidade ainda não julgados em caráter definitivo pela diretoria da agência reguladora.

Existem, inclusive, agentes que estariam apresentando embargos de declaração da decisão do TCU, que deu 30 dias para o ministério resolver a questão. Em relação à negociação em si, o que se especula no mercado é que, como os preços internacionais do gás aumentaram muito, o interesse de alguns agentes em manter os contratos diminuiu. Possivelmente, eles podem querer ter alguma compensação para fechar um acordo.

Frederico Accon, head da área de energia do escritório de advocacia Stocche Forbes, explicou que a portaria foi construída em torno de pressupostos. Teve a determinação do TCU para que o ministério analisasse a alternativa de resolução dos contratos, e o texto com as diretrizes passou por consulta pública. Além disso, ela traz a disposição de uma ação voluntaria por parte dos agentes em relação à adesão e, em princípio, não teria como ser questionada.

O último artigo da portaria deixa claro que a negociação não vale para os inadimplentes, aos quais se aplicaria a rescisão e multa contratual. Uma informação que nem seria necessária, na visão do advogado. “Acho que nem precisava disso.”

Na opinião de Frederico Accor, a proposta deve ter adesão de geradores. O que pode dar discussão é que tem uma série de agentes com questionamentos em andamento na esfera administrativa, pedindo isenção de responsabilidade por eventos que teriam contribuído para os atrasos nos empreendimentos. Já existe até questionamento judicial em relação a isso.

Para o gerador que tem ainda discussão de excludente de responsabilidade, 60 dias podem não ser suficientes, pois se não houver uma decisão favorável da Aneel em última instância ele terá perdido o prazo. A agência reguladora já negou quase todos os pedidos, que estão em fase de recurso, e é até possível que ela possa julgá-los nos próximos dois meses. Mas a empresa pode ir à justiça, prolongando uma solução que poderia ser alcançada de imediato.

“Tem os agentes que estao adimplentes. Não tem discussão na Aneel. Tem um outro grupo de agentes que ainda está discutindo o excludente de responsabilidade. Pode ser que eles deixem de estar inadimplentes ao término da discussão. Pode ser que na Aneel isso seja mais rápido, mas no Judiciário pode levar alguns anos”, disse Accon.

A reportagem procurou as duas maiores empresas que viabilizaram contratos no PCS, a Âmbar e a KPS, que juntas somam quase 90% da potência negociada no certame. A KPS preferiu não se manifestar sobre esse assunto e a Âmbar não respondeu aos nossos contatos.