O Brasil tem que estar aberto às inovações tecnológicas para promover a transição energética, admitindo, inclusive, a possibilidade de criar incentivos temporários para garantir a viabilidade de fontes com a eólica offshore e a produção de hidrogênio verde. A avaliação é do professor da Coppe/UFRJ e ex- presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, que vê a passagem para a descarbonização da economia como um caminho inevitável.

Convidado para a entrevista de estreia do programa Vozes da Energia, da Abrace, Tolmasquim disse, porém, que é necessário evitar a perpetuação de eventuais benefícios e tentar manter uma “tarifa pagável”. Ele explicou que cada fonte tem um custo de entrada e que considera legítimo um movimento  que já acontece na Europa e nos Estados Unidos, de incentivo ao processo de mudança da matriz energética.

Ponderou, no entanto, que é preciso um limite temporal para qualquer política nesse sentido. “Tem que ter, ao mesmo tempo, a porta de saída já estabelecida. Porque se você tentar botar a porta de saída depois, ela nunca aparece, porque aquilo vira algo permanente”, disse nesta quinta-feira, 2 de fevereiro.

Em 2009, quando foi realizado o primeiro leilão de energia eólica no país, o custo ficou em US$ 85,00/ MWh, lembrou o ex-coordenador do grupo de transição da área de energia do governo. Três anos atrás, tinha caído para US$ 17/MWh, e agora está nas casa dos US$ 30/MWh, em razão dos problemas na cadeia de suprimento da China e da pandemia, entre outras questões.

Ainda assim, houve uma queda muito grande de preços, e é natural que se aceite pagar um valor um pouco mais alto por fontes que estão começando e cuja perspectiva tecnológica leve à redução de custos. “O que não dá é isso se transformar em um mecanismo permanente. É o que, infelizmente, vem ocorrendo no Brasil. Apoios que são pontuais numa fonte acabam virando um subsídio permanente e desnecessário. A gente vê isso hoje no caso da solar e eólica, que só agora, com atraso, está saindo da Tust e da Tusd subsidiada, mas que ainda vai perdurar para o consumidor pagar durante muito anos. A GD é a mesma coisa.”

No caso da eólica offshore, o Brasil tem a oportunidade de ligar a fonte à produção de hidrogênio para exportação, justamente porque na Europa e nos EUA estão aceitando pagar preços mais altos, seguindo políticas de utilização do produto. Existem legislações que são muito restritivas em relação ao que pode ser considerado hidrogênio verde, e outras que amarram a planta de geração de energia à produção do insumo, o que pode ser uma vantagem competitiva para a fonte no pais, destacou Tolmasquim.

Apresentador do programa, o presidente-executivo da Abrace, Paulo Pedrosa, reforçou a visão dos consumidores industriais de energia de que talvez seja melhor deixar os consumidores alemães pagarem o custo do desenvolvimento tecnológico, para que o Brasil, como fornecedor de hidrogênio, se beneficie da fase seguinte.

Apontado recentemente como um possível nome para o governo, Tolmaquim foi questionado sobre o que o setor de energia pode esperar em relação a seu papel na transição energética, um tema que tem sido frequentemente lembrado pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por ministros de diferentes pastas. Ele respondeu que não sabe onde vai estar, mas disse que vai continuar tentando contribuir, seja em um cargo no governo, seja na universidade.

Primeiro presidente da estatal, Tolmasquim destacou a qualidade do trabalho e do corpo técnico da EPE, mas lembrou que o planejamento setorial tem sido ignorado, porque se resolveu “bypassar” os estudos feitos pela empresa e tomar decisões via Congresso Nacional. O resultado são mudanças nas regras do setor para atender interesses específicos de grupos econômicos.

Para contornar essa situação, será necessário recuperar a governança do setor, reforçando o papel do Ministério de Minas e Energia e, por consequência, da EPE, como o “locus” de formulação de política. Isso, sem esquecer o diálogo com as associações setoriais, frisou.

Tolmasquim também destacou o papel do gás  natural no processo de transição, reforçando as críticas de Pedrosa em relação aos gargalos que ainda impedem o avanço do marco legal do setor. “Saiu um agente estatal e entrou agente privado, mas aparentemente o desenho de mercado não funcionou como deve funcionar” disse, observando que a questão do monopólio dos estados sobre a distribuição do produto tem que ser discutida, pois tem levado à concentração e à verticalização da atividade.

Outro ponto que ele tratou foi o papel dos consumidores de energia elétrica, ao ser lembrado que a agenda do segmento industrial tem sido extremamente reativa nos últimos tempos, brigando contra uma serie de pautas que tem encarecido a conta de energia. É o caso das térmicas emergenciais que não cumpriram o prazo dos contratos firmados em 2020, a realização de um leilão de reserva considerado desnecessário no ano passado e a prorrogação dos subsídios ao carvão mineral.

Para Tolmasquim, apesar de parecer uma agenda negativa ela é importante na defesa de tarifas menores e com menos subsídios,  que tem sido enfrentada também por outras instituições que representam pequenos consumidores.