Em uma das deliberações mais longas – começou pouco depois das 9h e só terminou perto das 17h – a Agência Nacional de Energia Elétrica aprovou por unanimidade a regulamentação de regras para a Geração Distribuída, conforme disposições estabelecidas na Lei nº 14.300/2022, e no artigo 1 da Lei nº 14.120/2021, que tratam do marco legal da modalidade.

O assunto deveria ter sido votado na reunião da semana passada, mas o diretor relator do assunto, Helvio Guerra, decidiu por adiar em uma semana a votação, para que mais agentes pudessem se manifestar. Durante a deliberação, foram 22 pedidos de sustentação oral, defendidas pelos representantes de associações, empresas e fóruns do setor. De um total de 829 contribuições para a Consulta Pública vindas de 61 entidades, 15% foram aceitas, 20% foram parcialmente aceitas, 6% já estavam previstas e 8% não foram consideradas. Não foram consideradas 51% das contribuições.

Segundo Helvio Guerra, a agência não poderia regulamentar nada diferente do que está na lei. Isso causaria instabilidade regulatória afastaria investidores. “Estamos regulamentando de acordo com a lei”, avisou. Ele contou que houve um esforço máximo da equipe da Aneel em busca do equilíbrio e que o processo acabou se transformando em um grande aprendizado. “Estamos discutindo quem paga o quê e pelo quê”, revela.

Nas sustentações, o presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, Paulo Pedrosa, reforçou da importância histórica da decisão da diretoria e que a Aneel deveria interpretar a GD com base no marco legal do setor elétrico e na missão da agência. Pedrosa também destacou que a indústria brasileira está estagnada há dez anos em parte pelo preço da energia. O líder da Abrace pediu atenção aos prazos fixados na lei, que não deveriam ser ampliados.

A expressiva votação do marco da GD na Câmara dos deputados, com mais de 400 votos, foi salientada por Carlos Evangelista, da Associação Brasileira de Geração Distribuída. Para ele, isso concede autoridade ao que foi aprovado pelos representantes do povo. Ele citou a tripla cobrança, que envolve Fio B, Tusd-G e os custos disponibilidade, que são coisas diferentes, mas recaem sobre o mesmo serviço. Evangelista criticou ainda a presença de grupos ligados à distribuição na GD.

Pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, Barbara Rubin solicitou o cumprimento de uma política pública e salientou que o setor diverge da status quo do setor elétrico, saindo das grandes corporações. A associação propôs que fosse retirada a diretriz de que a unidade consumidora não possa receber excedente de energia, assim como a não cobrança de Tusd G para o consumidor de baixa tensão.

Forma de associação para  GD compartilhada

A forma de associação para GD compartilhada foi mantida como a da REN 1.000/2021, em que a modalidade é permitida, além dos consórcios e cooperativas, a condomínio civil voluntário ou qualquer outra forma de associação civil, desde que instituída para esse fim.

Sistemas de Medição

Optou-se por limitar a necessidade de troca de medidores com novas funcionalidades às novas unidades consumidoras do Grupo A. Para essas unidades, a partir 1º de janeiro de 2024, os sistemas de medição devem possuir funcionalidades adicionais de medição de níveis de tensão e indicadores de continuidade, conforme será estabelecido no Módulo 5 dos Procedimentos de Distribuição.

Garantia de fiel cumprimento

O consumidor pode optar, exclusivamente, por caução em dinheiro; títulos da dívida pública emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil, ou fiança bancária emitida por banco ou instituição financeira devidamente autorizada a operar no país pelo Banco Central do Brasil, sendo que, neste caso, a distribuidora deve indicar, no mínimo, quatro bancos ou instituições financeiras a serem escolhidas pelo minigerador.

Pendência da distribuidora – Prazo de obra

A Agência decidiu que o enquadramento do agente como GD tipo I é possível quando a conexão ocorrer até o prazo previsto no art. 26 da Lei 14.300/2022 ou até o prazo previsto no orçamento de conexão, sempre considerando o maior dos dois. A Lei 14.300/2022 traz os seguintes prazos: 120 dias para microgeradores distribuídos, independentemente da fonte; 12 meses para minigeradores de fonte solar ou 30 meses para minigeradores das demais fontes. Dessa forma, se a distribuidora, por exemplo, estabelecer no orçamento de conexão um prazo de 6 meses para acesso de uma minigeração distribuída da fonte fotovoltaica, ela terá até 12 meses para ser implantada e ser enquadrada como GD I. Por outro lado, caso as obras para acesso tenham duração prevista de 18 meses no orçamento de conexão, o prazo previsto na Lei ficará suspenso pelo período que ultrapassar os 12 meses e o agente deverá ser conectado até a data estabelecida no orçamento para assegurar os benefícios tarifários estabelecidos pelo marco legal da GD.

Optante grupo B

A Lei 14.300 estabeleceu que as unidades consumidoras com geração local, cuja potência nominal total dos transformadores seja igual ou inferior a uma vez e meia o limite permitido para ligação de consumidores do grupo B, podem optar por faturamento idêntico às unidades conectadas em baixa tensão, conforme regulação da ANEEL. Assim, restou estabelecido que, para que a opção pelo faturamento em Grupo B seja efetivada, é necessário que a soma da potência dos transformadores não ultrapasse 112,5 KVA; que a geração seja instalada na unidade consumidora e, além disso, não é permitido enviar ou receber excedentes para unidades consumidoras distintas.

Excedentes e Créditos de Energia

Sobre a destino dos excedentes e dos créditos de energia, o primeiro uso será para abater o consumo realizado na mesma unidade consumidora em diferentes postos tarifários, virando créditos de energia quando não utilizado no mesmo ciclo de faturamento. Foi proposto na instrução técnica que se estabelecesse um intervalo mínimo de 180 dias entre os pedidos de alteração dos integrantes da geração compartilhada, como forma de evitar custos decorrentes de mudanças frequentes. Porém, os benefícios com a medida não justificariam o ônus da aplicação nos usuários da GD compartilhada, o que fez com que a agência não definisse um intervalo mínimo para solicitação de alteração dos integrantes.

Segundo o diretor Ricardo Tili, foi um processo difícil e duro, mas que se chegou a um ponto que consegue atender a todas as partes, conforme previsto em lei. A diretora Agnes da Costa disse que as discussões sobre GD vem desde 2015 e que é notável o quanto se evoluiu até agora. “O que estamos discutindo não é novo, estamos na fase final da definição do consenso possível”, explica. A ideia de tripla cobrança foi afastada pela agência, ao considerar que são três serviços diferentes.

Para o Instituto Nacional de Energia Limpa, o voto de Guerra desagradou todo o setor de geração distribuída e representa um retrocesso. Para Lucas Pimentel, secretário de assuntos regulatórios do Instituto, a agência ultrapassou os limites da atuação para reabrir a discussão de política pública no setor de GD sem nenhum fato novo.

Já para o presidente-executivo, da Absolar, Rodrigo Sauaia, foi uma aprovação importante, com um texto final muito melhor que o apresentado inicialmente. Sauaia ressaltou a eliminação da cobrança em duplicidade dos custos em disponibilidade e da Tusd Fio B. Para ele, essa cobrança poderia inviabilizar a GD no Brasil.