Após passar por uma eleição polarizada, o Brasil ainda se apresenta dividido politicamente. Isso não significa que os partidos que apoiaram a eleição de Lula no segundo turno estão ideologicamente alinhados com o Partido dos Trabalhadores (PT). Em troca desse apoio, alguns desses partidos estão querendo espaço nessa nova configuração de governo.
O primeiro desafio que o presidente eleito enfrenta no momento é construir sua base no congresso, uma base governista. Hoje, se o governo precisasse aprovar um projeto de lei complementar, ou aprovar uma PEC, ele não teria voto suficiente na Câmara e nem no Senado. E quem seria o apoio na balança desse governo?, questiona Ângela Oliveira, Diretora de Relações Institucionais da Abraceel. “A balança será a forma como o presidente Lula irá lidar com o Centrão, ou seja, aqueles partidos que não necessariamente são fiéis ao governo na ideologia, mas são aqueles partidos que dependendo da votação e do espaço que o Lula vai garantir no governo, eles conseguem aprovar a agenda que ele defende”, destacou Ângela, durante o Agenda Setorial 2023, que aconteceu nesta quarta-feira, 29 de março.
Nesse sentido de construir a base governista, a presidência já fez aceno a 3 principais partidos, que são o MDB, União Brasil e o PSD, garantindo 9 ministérios para esses partidos na esplanada. Quanto ao Senado, o presidente mantém um bom relacionamento com Rodrigo Pacheco, que ganhou a eleição sendo apoiado por Lula. No entanto, 1/3 da casa, precisará ser convencida para garantir apoio necessário para que a agenda governamental seja aprovada.
Já em relação à Câmara dos Deputados, Lula decidiu não levantar oposição ao presidente Arthur Lira, que foi eleito tanto pela base do PT, quanto pelo Partido Liberal (PL), partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. A eleição de Lira mostrou que ele dominava a agenda da casa, e com receio de não ter suas pautas aprovadas na Câmara, Lula passou a ter uma relação boa com Lira.
Em relação ao Ministério de Minas e Energia, que por hábito ficava com o partido MDB, nesse governo ficou com o PSD. O ministro Alexandre Silveira, que no início das negociações estava cotado para o Ministério dos Transportes, acabou sendo indicado ao MME. “Silveira já vem de uma carreira política, pois é presidente do PSD em Minas Gerais, e assumiu uma vaga no Senado quando Antonio Anastasia foi eleito para o TCU, nesse período ficou conhecido por ser um bom articulador”, ressaltou Ângela.
Ao falar sobre a pauta de Alexandre Silveira, não tem como não mencionar a transição energética, inclusive esse tema permeou seu discurso na posse. “Ele comentou sobre a criação de uma secretaria de transição energética, tem a preocupação de energia verde e limpa, e existe a cobrança de retorno social e colocar o Brasil líder em energia limpa”, encerrou Ângela.
Ângela Oliveira, da Abraceel, e Paulo Ganime, ex-Deputado Federal
Para Paulo Ganime, ex-Deputado Federal, uma coisa é inquestionável, o lobby ou a pressão e articulação tem um papel importante no Congresso, seja para o bem ou mal. “Mesmo debruçado sobre algumas pautas do setor elétrico, eu não conhecia à fundo as dores e os problemas de quem está operando na ponta”, destacou.
“O que motiva um parlamentar é diferente do que motiva o setor privado. O parlamentar quer voto, e o que dá voto? É quando uma parte da população é impactada, seja por um aumento tarifário, ou qualquer outra questão, assim ela traz voto e o deputado se preocupa com isso”, aponta Ganime. O papel da associações e empresas se tornam importantes para que as pautas avancem, e dessa forma, os deputados possam coletar informações e trabalhar da melhor forma possível.
Ganime explica que quando um deputado é eleito, muitas vezes ele não sabe onde vai atuar, mesmo que chegue com algumas ideias, mas quando é possível entender alguns temas para seu estado, ou para o Brasil como um todo, ou alinhamento com o que pode angariar votos, o deputado pode começar a se interessar mais por aquilo.
Segundo ele, a dessestatização da Eletrobras não impede a entrada de novos players no setor, mas desestimula o incentivo muito mais pela insegurança, principalmente no âmbito da política pública, quando o governo recompra uma empresa que foi privatizada pagando mais caro por isso, e gerando mais défict fiscal. A mensagem que fica, continua ele, como um todo é que esse não é governo que se preocupa em melhorar a economia e ainda vai gerar mais défict fiscal.
“Quanto mais o presidente fala besteira, mais o congresso se empodera. Aconteceu no último governo e já vem acontecendo nesse governo também. Porque se você tem telhado de vidro, o Congresso ou qualquer outra força política vai subir o tom e crescer. E nisso entram as solicitações de emendas, os pedidos de cargos públicos, recursos financeiros e poder dentro do governo”, encerrou Ganime.