Após as exposições dessa quarta-feira, 17 de maio, em Audiência Pública na Câmara dos Deputados, a Comissão de Minas e Energia, na figura do deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), protocolou a convocação da procuradoria e diretoria da Aneel para colher explicações sobre a Resolução Normativa nº 1.059/23 que regulamentou o Marco Legal da Microgeração e Minigeração Distribuída. A modalidade está em plena expansão, tendo atingido 21 GW nessa semana, e angaria discussões sobre subsídios, alocação de custos e reais benefícios aos consumidores e geradores de energia elétrica.

Entre os pontos em discussão colocados na reunião de hoje está a interferência da agência na legislação ao alterar pontos da lei 14.300, a não regulamentação da venda do excedente de energia dos pequenos prosumidores e o fato de não poderem alocar esse recurso em outras unidades consumidoras do mesmo CPF, além de uma denúncia de que algumas distribuidoras estariam decidindo as novas conexões privilegiando certas empresas e integradores.

“Pedimos a presença do procurador da Aneel e diretoria para dar explicações e avaliarmos se o regulador está agindo de má fé. Não tem que interpretar tem que cumprir a lei”, pontuou o parlamentar. Segundo ele, o novo texto permite a cobrança por serviços que antes não eram pagos às distribuidoras pelos usuários da tecnologia, que compreende desde telhados solares em residências até pequenas usinas de até 5 MW, para abastecer o consumo de empresas, prejudicando os pequenos consumidores-geradores e aumentando o prazo de retorno do investimento.

Para o deputado Federal Lafayette Andrada, a Aneel resolveu legislar dizendo que estava interpretando a lei, afirmando por exemplo que a distribuidora agora pode recusar pedidos de conexão ao invés de cumprir a notificação para correção em 30 dias, com prazo de cinco dias para comunicar o aceite ou o indeferimento. Outro “absurdo” seria a alteração e revogação dos contratos do optante da categoria B. “O que queremos é o cumprimento da lei, não se trata de subsídios, que para a GD impactam em 1% na tarifa de energia e estão escalonados para terminarem em oito anos”, analisa.

O secretário-adjunto de Geração Distribuída do Inel, Tássio Barboza, disse que o diretor da Aneel, Hélvio Guerra, declarou guerra ao setor de GD, ao ordenamento e segurança jurídica com o novo texto, ponderando que agora é necessária uma lei para que outra seja aprovada. “O acordo foi quebrado pois a Aneel colocou uma lupa na lei, deturpou alguns pontos e procurou frestas para criar trincheiras que separam os mais pobres de terem acesso à energia solar”, ressaltou.

Pelo lado da Aneel, o superintendente Carlos Alberto Mattar foi o primeiro a falar na audiência e depois não foi solicitado a se pronunciar ou responder alguma questão, o que prejudicou o debate na sessão.  Em sua participação foram frisadas as preocupações quanto a capacidade da rede em relação ao escoamento e o fluxo de energia, com o destaque de que dos 500 mil pedidos de conexões para GD em todo Brasil, o número de reclamações, segunda a agência, é de 2,3%, o que não afastaria o órgão do monitoramento e fiscalização.

Na apresentação da Absolar, a primeira tônica foi a falta de acesso ainda dos investidores em GD quanto ao Reidi e debentures incentivadas, que reduzem impostos e diminuem os custos de investimentos para as energias renováveis. A avaliação em geral é de que alguns pontos críticos na regulação não foram solucionados, apesar da Aneel manter diálogo e as tratativas com o setor.

A entidade identificou três pontos críticos na lei, como a cobrança de demanda dos consumidores de baixa tensão, que deveria ser só para os de maior porte. “É um desincentivo na prática e até uma duplicidade de cobrança, com o Congresso Nacional sendo o único que pode ajustar essa matéria”, avalia o presidente da Associação, Rodrigo Sauaia.

Outro ponto citado é o faturamento sob B optante, um tipo específico de consumidor comum em pousadas e pequenos hotéis não podendo repassar seus créditos de energia em caso de excedente, o que pode ser solucionado pela alteração de alguns trechos e palavras da lei, como trocar “excedente” por “créditos”, num problema que está gerando uma onda de judicialização e prejudicando consumidores com energia própria.

Foi citado também o viés social em ajudar as famílias mais pobres com redução das faturas via energia solar distribuída, as quais tem na energia elétrica seus maiores custos recorrentes mensais. Diante disso a boa notícia é que existe um item específico na lei sobre isso, mas na forma como estava tinha a palavra “até” ou invés de “mínimo”, com a Aneel usando o número de zero para até o limite de 50%, com na prática o benefício não acontecendo. “Para garantir o acesso a quem precisa poderá ser atrelado esse benefício ao cadastro único do governo federal”, sugere o executivo.

Em relação as tratativas com o regulador, o representante da Absolar destacou que as dificuldades para acesso às redes das distribuidoras não param de aumentar, com algumas áreas não dando retorno e outras cancelando os pedidos de parecer de acesso, necessitando de mais ações fiscalizatórias. “Outras distribuidoras também estão fazendo GD, então como fica a concorrência? Como saber se a ordem de pedidos está sendo cumprida, se não existe transparência com a sociedade? Não estou dizendo que isso está acontecendo mas existe o risco”, pontua Sauaia.

Por fim ele destacou a necessidade de a agência calcular os custos e benefícios da atividade para o chamado encontro de contas, o que depende ainda das diretrizes do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), as quais deveriam ter sido publicados na metade do ano passado. “Fizemos um cálculo com uma consultoria especializada e chegamos a 5,6% de quanto a geração própria ajuda a economizar na conta de luz de todos os consumidores até 2031”, informa o dirigente.

Representando a ABEEólica, o especialista em regulação, Riomar Menino Jorge, destacou uma questão técnica observada em todos os países em função do crescimento da GD, que é o desligamento de fontes eólicas e solar centralizada quando acontece a rampa de subida da modalidade, além do aumento da possibilidade de desligamentos do sistema quando ocorre um desarme significativo da GD, a chamada “curva do pato” e que exige mais recursos do sistema.

Sob ponto de vista da operação, a Gerente de Metodologias e Modelos Energéticos no ONS, Tatiana Gonçalves, trouxe em sua apresentação três efeitos principais da GD e que impõe desafios para qualquer operador: ponto de demanda baixa no meio do dia, exigindo recursos de flexibilidade para geração, uma rampa íngreme de retomada da carga quando a solar deixa de gerar, e por fim a demanda máxima do verão que acontecia ao meio do dia passando a ocorrer no meio da noite.

“Estamos desenvolvendo ações em diversas frentes para essas adequações, como prevenção do desligamento em cascata e padronizando os requisitos de conexão dos equipamentos”, aponta a especialista, relatando avanços com novos padrões do Inmetro e requisitos no Prodist junto à Aneel.

Ademais o ONS está para incluir a GD na previsão de carga e nos modelos energéticos, avançando também em uma iniciativa para definir um modelo padrão de troca de informação para interação entre os agentes, além da fase de contratação de um projeto abrangente cujo objetivo será propor um modelo de controle, atribuindo papéis e responsabilidades para gerenciamento dos recursos energéticos distribuídos.

Por sua vez, o diretor de regulação na Abradee, Ricardo Brandão, lembrou que o boom da GD foi muito mais expressivo do que qualquer previsão da Aneel e que o subsídio concedido até 7 de janeiro desse ano e pago por toda cadeia do setor fará com que as distribuidoras façam investimentos expressivos e que aumentam também a tarifa do consumidor, num modelo que não é sustentável. “Só em 2023 foram R$ 6,3 bilhões serão pagos pelos consumidores, sendo de R$ 300 bilhões até 2045”, projeta.

Para o especialista, é preciso manter o que está escrito no PL 14.300 não validar o PL 1292 que não visa preservar o acordo mas alterar pontos como o tratamento da modalidade como autoprodução, isentando a CDE para a categoria e repassando mais R$ 93 bilhões por 17 anos. “Quando se olha a tarifa de todos, desafio um consumidor sem GD que nesses últimos anos teve redução de tarifa, que não pode ser apenas no PowerPoint”.