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A exposição pública de uma divergência entre diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica em relação à indicação do novo procurador-geral da autarquia despertou preocupações no setor elétrico em relação às consequências negativas do episódio para o órgão regulador. A discordância veio a público na manhã desta terça-feira, 8 de agosto, quando o diretor Fernando Mosna acusou o diretor-geral, Sandoval Feitosa, de conduzir o processo sem ouvir os demais integrantes do colegiado.
Logo após as declarações do diretor, que deixou a reunião semanal, sendo seguido pelo colega Ricardo Tili, muita movimentação e muitas dúvidas em relação ao que poderia acontecer em seguida foram levantadas por agentes do setor em grupos de mensagem. Extraoficialmente, alguns desses agentes ouvidos pela reportagem sob a condição de anonimato especularam que a discórdia talvez tenha se dado por motivos que vão além dos que foram revelados.
Outros apontaram para o eventual uso da situação por forças políticas, com prejuízos para a agência reguladora. E o que era inicialmente um receio, não demorou a se concretizar. Em nota à imprensa, o deputado Danilo Forte (União-CE), destacou o que chamou de “cenas lamentáveis relacionadas à escolha do novo procurador do órgão.”
“Episódios como esse colocam em dúvida a credibilidade da autarquia, o que prejudica sobremaneira a segurança jurídica e o ambiente de negócios. Fosse um órgão verdadeiramente técnico, disputas internas como essa jamais teriam espaço para ocorrer”, afirmou o parlamentar, que é um dos principais críticos na Câmara do que considera excesso de autonomia das agências.
O deputado reforçou a necessidade de aprovação do Projeto de Decreto Legislativo 365/22, de sua autoria, que suspende normas da Aneel sobre tarifas de transmissão. E, também, de uma “reforma meticulosa” no modelo das agências reguladoras, que ele mesmo tinha proposto por meio de emenda a uma medida provisória que retirava o poder normativo de 11 órgãos federais de regulação.
Em entrevista à Agência CanalEnergia, Mosna reconheceu que a discussão do tema em uma reunião publica provocou desgaste, mas explicou que sua reação foi necessária diante da atitude do diretor-geral de tentar dar o fato como consolidado. “O que eu coloquei ali foi que a agência já teve a experiência de uma situação dessa que foi traumática, ruim”, disse, reforçando que as decisões tem que passar pelo colegiado.
“Fiquei preocupado porque a gente foi escanteado. Fizemos uma reunião de três horas e meia. Pedi: Sandoval, a gente sabe que as relações no colegiado estão ficando um pouco mais acirradas. Tira o nome. Ele me pediu: me da uma noite de sono, que seria de quarta pra quinta”, contou, afirmando que não recebeu resposta depois disso.
Para o diretor da Aneel, Feitosa deveria se unir ao colegiado, reconhecer que errou e discutir o assunto. “Fiquei na agência até agora. Saí só para almoçar, mas ele não fez nenhum gesto”, disse. Mais cedo, Feitosa tinha afirmado à reportagem que não iria comentar a discussão.
Em nota, a Aneel informou que “a indicação do procurador-geral e sua nomeação são competências exclusivas do advogado geral da união e do ministro da casa civil”. “O assunto está sendo conduzido pelos ministros de estado. A agência aguarda e confia na indicação da advocacia geral da união. Sobre a próxima reunião da diretoria, informaremos quando houver a convocação”, acrescentou.
Reações
Para o presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico, Mário Menel, essa é uma situação que não é bem recebida pelo mercado, porque ultrapassa o espaço interno de discussão da agência e se transforma em ato público, causando insegurança. “O Fase todo está preocupado. Não dá pra tomar partido de nenhum lado. Todos tem seus argumentos. Nosso argumento agora é de defesa da instituição Aneel.”
Sem conseguir almoçar diante da quantidade de telefonemas que recebeu, o executivo considera que o episódio foi grave e afeta a imagem da agência. “Em toda a existência da Aneel, eu não vi um imbróglio desse tamanho.”
O ex-diretor da Aneel e consultor, Edvaldo Santana, teve reação semelhante. “Achei um troço chocante ter acontecido daquele jeito. A Aneel já estava afundando num fosso bem profundo. Com a cena de hoje, era como se tivesse colocado uma pedra de 200 quilos no pé,” disse.
Santana observou que a indicação do procurador-geral na Aneel é sempre uma opção da Advocacia Geral da União, órgão ao qual os procuradores federais são vinculados. Normalmente, a agência escolhe alguém do quadro da AGU para ocupar a função da Procuradoria Geral. Na avaliação do ex-diretor, o erro do processo atual conduzido por Feitosa talvez tenha sido não discuti-lo com o restante da diretoria.
Uma das vozes mais respeitadas no setor, Santana publicou uma carta aberta aos diretores da Aneel em uma rede social, na qual pede diálogo e compreensão, lembrando que a agência “é o bem a ser preservado.” Ele ponderou que a decisão colegiada é premissa básica que deve ser buscada dia após dia, discordâncias entre os diretores é normal, “mas é prudente” que isso não exponha de forma negativa a Agência.
“É impossível eliminar tudo que aconteceu hoje pela manhã. Ainda assim, acho que as mãos devem ser estendidas. Pensem na Aneel e na importância de vocês, divergindo ou não, para o setor elétrico,” recomendou.
O cientista político e diretor da Dominium Consultoria, Leandro Gabiati, também avalia que o episódio de hoje não foi positivo para o regulador, porque enfraquece interna e externamente a instituição. “E traz de volta aquela discussão de rever toda a governança das agências reguladoras no Brasil”, alerta Gabiati. Ele lembrou que o assunto foi mencionado na nota do deputado Danilo Forte.
“Era previsível que alguém explorasse essa situação de conflito na Aneel”, disse o consultor. Em sua opinião, o episódio de hoje ressuscitou uma discussão do papel das agências que estava adormecida.