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Especialistas do setor de energia apontaram o custo da resiliência da rede elétrica aos eventos extremos resultantes das mudanças climáticas como o grande desafio a ser enfrentado por concessionárias, formuladores de políticas e reguladores em todo o mundo. O tema foi discutido na última quinta-feira, 18 de janeiro, em webinar da Associação de Distribuidores de Energia Elétrica da América Latina (Adelat).
O custo da adaptação das infraestruturas de rede fatalmente vai impactar na tarifa paga pelo consumidor e exigirá adequações nos modelos regulatórios, de forma a incorporar novos parâmetros de precificação, mas também diferentes soluções que possam mitigar o preço a ser pago por uma rede mais robusta.
A CEO do grupo Climatempo, Patricia Madeira, pontuou que não há mais dúvidas em relação ao aquecimento global e aos eventos extremos resultantes das mudanças climáticas. Eles estão acontecendo e tendem a piorar.
Na avaliação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, a regulação no Brasil é insuficiente para enfrentar essa situação. “Os eventos que ocorreram aqui no Brasil, especialmente nesse segundo semestre do ano passado, com ciclones no Rio Grande do Sul, que é algo que não é típico da nossa situação climática, e eventos muito severos na cidade de São Paulo, aumentaram ainda a percepção de que a gente precisa de alterações do nosso modelo regulatório. Não só para que a gente possa estimular as empresas a buscarem investimentos que aumentem a resiliência da rede, mas que de fato tenham indicadores e parâmetros que também cobrem das empresas”, disse o diretor de Regulação da Abradee, Ricardo Brandão.
O segmento de distribuição tem um modelo de regulação por incentivos consolidado, que foi implantado há mais de 20 anos e estressou nesse período os níveis de eficiência a serem alcançados pelas empresas, lembra o diretor. Mas a reflexão hoje é sobre os indicadores de qualidade na prestação do serviço, que são baseados em poucos parâmetros, em sua avaliação.
Para Brandão, em uma rede que começa a ter uma integração cada vez maior de recursos energéticos distribuídos, seria importante a criação de novos indicadores, com tempos de resposta atrelados a uma remuneração por performance das distribuidoras, e não no modelo atual de price cap.
Precificação da resiliência
A decisão de como precificar o custo do investimento no reforço das infraestruturas foi definido com um desafio por Mark McGranaghan. Ele disse que é preciso criar ferramentas para avaliar diferentes metodologias, o que já está sendo feito na União Europeia, por exemplo.
O primeiro passo é trabalhar na avaliação do custo benefício, colocando um valor na resiliência. “Tem uma calculadora que nós usamos para avaliar o custo desse sistema, para medir os eventos. Mas não temos ferramentas boas para medir aqueles eventos que não acontecem com frequência tão grande”, observou o especialista irlandês.
A ideia, então, é adicionar novas métricas na calculadora atual de resiliência para mensurar o quanto será preciso investir, considerando os impactos de eventos como inundações, ventos, furacões, ciclones, mas também qual será o impacto disso para a sociedade. “A resiliência local é uma prioridade.”
McGranaghan considera importante colocar a discussão na perspectiva da transição energética e da descarbonização, que vão exigir mais energia de fontes renováveis. “Nós estamos trabalhando com a energia elétrica no transporte. Isso significa que o impacto da resiliência nos eventos extremos vai ser ainda maior. Então, o custo da resiliência aumenta.”
E, finalmente, para assegurar a solução adequada a esse desafio, vai ser preciso atuar na parte regulatória, para ter os investimentos necessários. O processo envolve também o engajamento do público, trabalhar com as empresas que fornecem soluções e criar parcerias de serviços, operando de forma integrada.
Soluções de mitigação
No Brasil, a Abradee abriu quatro frentes de estudos que pretende apresentar à Agência Nacional de Energia Elétrica como sugestões de mudanças regulatórias. A entidade imagina um tempo de maturação de até dois anos para isso, e que após esse período já se tenha um um cenário muito mais preparado para o enfrentamento dos eventos extremos.
Umas dessas frentes é a busca de padrões de construção para novas redes, identificando e selecionando as melhores práticas no Brasil e no mundo que as tornem mais preparadas para esses eventos. Um outro tema que vai ser estudado são soluções de tecnologia inteligentes e que possam ter tempos de resposta e monitoramento remoto, capacidade de auto estabelecimento (self healing), mas também padrões de gestão, até mesmo de campo, que possam aumentar a resiliência das redes existentes, ainda que elas tenham a característica de rede aérea.
Brandão lembra que o enterramento de redes nas grandes cidades, uma discussão que voltou à tona com os acontecimentos em São Paulo, é uma alternativa muito cara, e certamente existem soluções mais baratas, especialmente no curto prazo. No Brasil, mais de 90% das redes são aéreas.
A Abradee pretende estudar a experiência dos Estados Unidos, pelas semelhanças em relação à rede aérea e ao território. A proposta é avaliar o conhecimento acumulado com eventos como furacões, que são muito mais frequentes em determinadas regiões da América do Norte.
Um caso de adaptação que deve ser estudado para possível aplicação no Brasil é o do RMAG (Regional Mutual Assistant Groups), um modelo de compartilhamento de equipes multiutilities que envolve não apenas distribuidoras de energia, mas também de gás e até mesmo de saneamento. A ideia também ganhou força após o vendaval que deixou milhões de pessoas sem energia na Grande São Paulo, em novembro do ano passado.
“Antes que a gente queira reinventar a roda, a gente vai buscar dessa experiência o que pode trazer aqui. A gente viu, por exemplo, nesses eventos em São Paulo, que mesmo com toda a mobilização de equipes disponíveis na distribuidora, naquele momento de crise havia uma necessidade de uma equipe maior, de mais equipamentos, mais carros. E uma forma cada vez mais eficiente de se buscar isso é a busca de uma capacidade ociosa de outras distribuidoras,” explicou Brandão.
Ele destacou que a solução não é simples, porque envolve empresas com padrões de atuação de equipes e treinamento diferentes, além da questão do ressarcimento mútuo de custos e até do tratamento regulatório do ponto de vista de tarifa. Mas é um caminho importante a ser explorado, porque substituiu um eventual investimento em capacidade ociosa das empresas que só vai, na verdade, encarecer a tarifa.
Uma terceira possibilidade a ser trabalhada é a questão de modelos preditivos de clima, com uma modelagem mais precisa que possa ajudar as empresas a se preparar e mobilizar as equipes. A solução pode ser construída a partir de experiências nacionais bem sucedidas que usam uma combinação de informações e recursos, e o desafio é transformar isso em uma integração de dados que possa se tornar um sinal de alerta e seja compartilhado entre todas as distribuidoras.
O quarto elemento é a questão do manejo das árvores, não só em relação à questão da poda. A Abradee vai avaliar, por exemplo, uma legislação aprovada no estado do Paraná, que prevê o plantio de árvores compatíveis com o desenho urbano, evitando problemas como as quedas sobre a rede de energia.