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O aumento da frequência de eventos climáticos extremos tem suscitado discussões sobre onde começa a responsabilidade das concessionárias no enfrentamento desse tipo de situação. E embora a legislação garanta um tratamento diferenciado em situações caracterizadas como caso fortuito ou força maior, é possível definir tecnicamente uma linha de corte para o reconhecimento dos casos de excludente de responsabilidade, na avaliação do diretor- presidente do Comitê Nacional Brasileiro de Produção e Transmissão de Energia Elétrica (Cigré Brasil), João Carlos Mello.
“Tem que sentar e estabelecer esse parâmetros de forma que a gente possa ter claramente o que é responsabilidade da concessionaria ou que é a chamada Action of God, coisas de Deus”, explicou o consultor à Agência CanalEnergia. Mello considera essa discussão especialmente crítica em relação a atividades reguladas como transmissão e distribuição de energia elétrica.
Para o advogado Bruno Crispim, do escritório Lefosse, eventos extremos representam riscos que ultrapassam a esfera ordinária, caracterizando situações de caso fortuito ou força maior. Ambos os conceitos estão contemplados no Código Civil brasileiro, ao estabelecer que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de situações que estão além da sua capacidade de evitar ou de gerenciar, explicou Crispim, durante debate no III Seminario Internacional de Transmissão de Energia Elétrica, realizado pelo Cigré na quinta e na sexta-feira (6 e 7 de junho), em Brasília.
Situações extremas são casos de excludente de responsabilidade pelos quais as concessionárias não podem ser responsabilizadas, completou o advogado. Crispim descarta a necessidade de alterações regulatórias ou nos contratos de concessão, já que os contratos e a própria regulação sempre alocaram o risco do caso fortuito e força maior no poder público. “A gente teve uma alteração na redação dos contratos de concessão, mas que não altera isso.”
No caso da transmissão, está na esfera de competência do Operador Nacional do Sistema Elétrico decidir sobre casos de excludente de responsabilidade, que podem ser julgados em etapa posterior pela Agência Nacional de Energia Elétrica, já como recurso contra uma eventual decisão desfavorável do ONS.
Crispim afirmou que a agência reguladora entende a aplicação do desconto da Parcela Variável por Indisponibilidade como um incentivo às empresas, mas ela tem todos os requisitos de uma punição.
Se a instalação de transmissão não está disponível, ponderou o advogado, a concessionária não tem como receber a receita correspondente ao período durante o qual ela permaneceu fora de operação.
“O mais importante é que a lei fala de prejuízos. Glosar a receita é um prejuízo e não deveria ser feito,” ponderou durante o evento. Ele concorda, porém, que é preciso definir o que seria uma linha de corte para atribuir responsabilidades.
Um dos grandes debates, após os episódios de queda de energia por eventos climáticos em São Paulo, a partir do segundo semestre do ano passado, foi justamente a capacidade de reação da Enel SP para restabelecer o fornecimento da distribuidora.
Mello, que é presidente da Thymos Energia, acredita que é possível definir algumas métricas para se chegar à linha de corte. Por exemplo, estabelecer condições para os novos projetos de transmissão considerando que as redes terão de ser muito mais robustas para enfrentar ventos acima do padrão atual. É possível também medir a intensidade de chuva, já que existem muitos dados disponíveis.
Uma rede elétrica mais resiliente significa, também, maiores investimentos e maior custo de operação e manutenção. E o desafio vai ser encontrar o equilíbrio, considerando o impacto tarifário para o consumidor.
A capacidade de resposta das empresas aos eventos de grande proporção é apontada como uma questão importante, principalmente em área populosas como regiões metropolitanas. Outra parte fundamental do debate é como alocar os custos relacionados ao fator climático, reconhece o executivo.
O consultor vê o governo federal e os estados como um “sócio” importante nessa equação, pois é necessário repensar a arrecadação para facilitar a recuperação da infraestrutura danificada em caso de eventos extremos. “Se eu tiver que ter alíquotas especiais para essa situação dos novos investimentos de recuperação de rede e tal, eu tenho uma visão um pouco mais de modicidade tarifária.”
Operação
Investimentos em inovação em resposta às mudanças do clima, planejamento e operação do sistema também entraram na pauta do encontro do Cigré. O diretor de Operação do ONS, Christiano Vieira da Silva, destacou como um desafio o aumento da complexidade da operação, em razão do crescimento exponencial das fontes eólica e solar.
“É preciso lidar com o crescimento da produção das novas energias renováveis e como isso aumenta a complexidade da operação do sistema. É importante repensarmos os atuais processos, investindo em novas tecnologias e inovação, garantindo segurança e confiabilidade no suprimento de energia elétrica,” disse , durante painel sobre os desafios da operação do SIN no atual contexto do setor elétrico.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Thiago Prado, alertou para o “novo normal” das mudanças climáticas, observando que é preciso pensar não só como reagir e como ter uma infraestrutura capaz de sobreviver a eventos extremos, mas avaliar o que significa o novo cenário. Segundo Prado, o desafio do regulador e das concessionarias é ter contratos com matrizes de risco claras, que passem a tratar esse novo normal. Ele também defendeu a inovação como um ponto importante dessa curva de aprendizado das empresas.