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A equiparação da presença feminina no quadro da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica é uma pauta que deve evoluir de forma orgânica na instituição, independentemente de qualquer diretriz nesse sentido em forma de lei ou de comando regulatório. A avaliação é feita pela vice- presidente do Conselho de Administração da CCEE, Gerusa Cortes, ao relatar os esforços internos para alcançar maior equidade de gênero, garantindo a participação das mulheres em mais cargos de liderança.
“A gente está no aguardo da aprovação final dos atos, dos estatutos relacionados à governança, mas o fato é que, independente de uma determinação regulatória ou legal, a CCEE já vem trabalhando nessa cultura focada na diversidade e na inclusão,” disse a executiva, em entrevista à Agência CanalEnergia.
O quadro de colaboradores da CCEE é formado atualmente por 54% de homens e 46% de mulheres. A ideia é manter a mesma proporção nos cargos de liderança. Nos níveis de gerência ainda falta um pouco mais para se chegar a 45% de participação feminina, o que se espera até 2025.
A discussão não se prende, no entanto, apenas a gênero, mas à diversidade em seu conceito mais amplo, explica a advogada, que iniciou carreira no antigo Mercado Atacadista de Energia (MAE), precursor da Câmara de Comercialização. “Ela é uma pauta necessária para que nós possamos dar mais visibilidade a essas pessoas e, de fato, conseguir transformar (…) as instituições, as corporações,” afirma Gerusa.
O primeiro programa de inclusão que a CCEE criou institucionalmente foi direcionado a pessoas com deficiência. O Mulheres em Fase, que é uma das cinco frentes do Comitê de Diversidade da Câmara de Comercialização, veio alguns anos depois. E, mesmo que o olhar feminino pareça ter prioridade, todas as frentes de ações afirmativas tem o mesmo peso institucional, garante Gerusa.
A evolução do mercado de energia elétrica e da própria CCEE, que vem assumindo novos papeis ao longo do tempo, também deve se refletir em um número maior de mulheres em atuação. O cenário aponta para melhores oportunidades no horizonte nos segmentos de renováveis e em temas inovadores do setor de energia. Veja a íntegra da entrevista:
Agência CanalEnergia: A questão da inclusão e da diversidade, como essa ideia vem tomando corpo dentro da CCEE? Queria que você falasse um pouco desse processo e um pouco também da sua experiência.
Gerusa Cortes: Eu ingressei [na CCEE] em meados de maio. E, logo que eu entrei, eu realmente me deparei com um programa muito bacana dentro da instituição, que é um programa chamado Mulheres em Fase. Ele começou em 2022, que foi o ano da concepção e do desenvolvimento do programa. E, basicamente, a ideia dele é você trabalhar realmente com a autoconfiança das mulheres, o desenvolvimento das habilidades delas para alcançar cargos de liderança. Uma premissa que eu achei bem interessante do programa é esse desenvolvimento da autoconfiança também dentro do que as mulheres desejam.
Geralmente, quando a gente fala desses programas, sempre o objetivo é você ir subindo na carreira, mas, não necessariamente, é o interesse de todas ou de todos. A gente, quando está no desenvolvimento da carreira, muitas vezes quer fazer outras opções que não necessariamente participar de cargos de gestão. Então, o pilar do programa é o desenvolvimento da autoconfiança para melhor gestão da carreira, seja ela a carreira que você quiser. E eu acho a premissa muito bacana, porque você dá liberdade para a escolha da mulher.
E aí, durante o ano de 2022, foi feito o desenvolvimento, essa concepção, e a ideia foi trabalhar sobretudo com a mentoria. Basicamente, durante o ano de 2022 a gente teve a primeira turma. Ao longo de 2023 teve a segunda turma, e aí aumentou o espectro das mentoradas.
E agora, para o ano de 2024, com o desenvolvimento do Comitê de Diversidade, o Mulheres em Fase passa a integrar o comitê, que tem cinco outras frentes. Então, Mulheres em Fase foi incorporado à frente de Gênero.
Para esse ano, o escopo é aumentar o número tanto de mentoras, quanto de mentoradas. Então a ideia é reforçar esse programa agora em 2024. E também ampliar um pouco o espectro das mulheres a serem mentoradas, porque, num primeiro momento, o foco foi realmente nas gestoras. Ou seja, naquelas que estariam já numa fase adiantada da carreira, com um propósito para alcançar os níveis de liderança. E agora a nossa ideia é tentar fazer o acompanhamento das mulheres desde o estágio inicial da carreira delas, que é já com uma preparação, um acompanhamento para o seu desenvolvimento.
E aí você perguntou como é que a CCEE está dentro desse estágio. Hoje, o quadro da CCEE , se você comparar com outras empresas do setor elétrico, você observa que ele é um quadro bem representativo feminino, no quadro de funcionários.
Você tem um percentual de homens equivalente a 54% e de mulheres equivalente a 46% na liderança. Nos quadros de gerente, gerente executivo, ainda ainda falta um pouco mais para a gente chegar a 45% pelo menos até 2025.
A ideia do Programa Mulheres em Fase é que a gente consiga fazer uma equivalência entre o percentual de mulheres que constam do quadro da CCEE com o percentual de mulheres que estejam presentes nos quadros de liderança também. Então, hoje a gente tem 31% nos cargos de gestão. E aí, o que a gente quer buscar é equiparar a porcentagem das lideranças femininas da CCEE com o total de colaboradores.
Agência CanalEnergia: Agora, fale da sua trajetória.
Gerusa Cortes: Eu comecei como advogada do setor na época das privatizações. Então, foi no final da década de 90 que eu comecei no setor elétrico, ali em 99, 98. E logo no início da minha carreira, eu tive uma passagem pelo MAE, que antecedeu a CCEE. Era o Mercado Atacadista de Energia.
E o MAE foi uma experiência muito importante na minha carreira, porque eu tive contato, além de advogada recém-formada, eu tive também contato com a parte técnica, com a parte econômica. Então, ele foi muito importante para minha compreensão de que, quando você trabalha com setor de infraestrutura, você precisa também desenvolver outras habilidades. Você precisa ter um olhar sobre a regulação técnica, um olhar sobre a regulação econômica. Não basta você ter um olhar sobre a questão jurídica.
E logo depois que eu passei pelo MAE, eu, durante cerca de 20 anos, me dediquei à advocacia regulatória, à advocacia no setor de energia elétrica. Eu tive a oportunidade de trabalhar num escritório de referência no setor, com Davi Waltenberg, que foi durante muitos anos a grande referência como jurista na área de energia elétrica.
E, nos últimos anos, eu constitui meu próprio escritório. Eu inaugurei meu escritório em 2019 com mais duas sócias. Então, também foi um projeto que priorizou a questão do feminino, a questão da liderança feminina nessa advocacia, porque além do setor elétrico ser um setor predominantemente masculino, a advocacia também é. Ela tem mudado ao longo dos anos, mas é um setor eminentemente masculino, quando você olha as posições de liderança.
Então, em 2018, eu constitui o meu escritório com mais duas sócias. E, nesses últimos cinco anos, a gente trabalhou focado. Era um escritório que não tinha só mulher. A gente apostava na diversidade também na nossa equipe. Tinha advogados além de advogadas. Foi muito importante esse período para exercer, além da liderança feminina, o empreendedorismo feminino também. Quando a gente fala de liderança feminina ser algo raro, o empreendedorismo também é algo raro.
E o meu escritório era um escritório liderado também por mulheres, e isso na minha visão contribuiu muito para me preparar para entrar na CCEE e compor esse quadro de liderança dentro da CCEE.
Agência CanalEnergia: No mercado hoje, você não tem só engenheiros, mas economistas, advogados, profissionais com perfis diferentes. Então isso diz muito do fato de ter uma maior diversidade em uma instituição como a CCEE, não é isso?
Gerusa Cortes: Exatamente. Ela é uma instituição que congrega diferentes carreiras. É o que você falou: nós temos lá advogados, engenheiros, economistas, matemáticos, físicos. E existe um movimento também perceptível de mulheres entrando nessas áreas mais técnicas. Esse já é um movimento um pouco mais recente.
Na área de humanas, e o Direito está inserido na área de humanas, esse movimento já começou há mais tempo. Então, você teve nas escolas de direito um protagonismo das mulheres, mas nas escolas que envolvem expertise mais técnica, a de exatas, por exemplo, esse movimento de mulheres nessas áreas é um pouco mais recente. Ele vem de uns anos para cá, mas é perceptível. Até por esse quadro funcional de 46% de mulheres, você já começa a perceber nessas áreas mais técnicas uma presença feminina muito forte.
Agência Canal Energia: Eu queria fazer um link com a questão da governança da CCEE. Quando a Aneel foi discutir essa regulamentação, tinha uma preocupação em colocar a questão da inclusão, de ter mais mulheres ocupando tanto a Diretoria Executiva quanto o Conselho de Administração. Como essa movimentação já se reflete aí dentro?
Gerusa Cortes: A gente está no aguardo da aprovação final dos atos, dos estatutos relacionados à governança, mas o fato é que, independente de uma determinação regulatória ou legal, a CCEE já vem trabalhando nessa cultura focada na diversidade e na inclusão. Então, com o Mulheres em Fase e a própria criação do Comitê de Diversidade, a gente já vem trabalhando nisso. E como existe essa meta, existe esse compromisso dessa equiparação. E quando eu falo equiparação no percentual de 50/ 50. Mas, no percentual de mulheres na entidade com o percentual de mulheres na liderança, nós já estamos considerando isso em todas as posições da organização.
Então, esse programa de mentoria, o foco dele, nós vamos ampliar para alcançar as profissionais em carreira inicial, mas o foco dele ele é formar realmente novas lideranças femininas. E, ao mesmo tempo, a gente tem promovido – o evento [do Comitê de Diversidade, realizado no ultimo dia 30 de agosto na CCEE] é um exemplo disso, mas, fora do evento, nós temos tido debates internos e reflexões sobre como é de fato alcançar essa equidade de gênero, porque quanto mais mulheres você tem à frente das empresas do setor, você reforça os nomes de liderança do mercado. E isso é uma ação que independe de uma diretriz.
Então o que eu posso te afirmar hoje é isso. Ou seja, a gente está no aguardo da evolução da governança, mas, independente de vir isso como uma diretriz regulatória ou não, a gente está desenvolvendo uma cultura focada nisso.
Agência CanalEnergia: Tem a questão do gênero, mas também quando você fala em diversidade é um conceito mais amplo. E aí você fala de questão de cor, de gênero, enfim, de outros aspectos, não é? Isso também tem a mesma força dentro da organização?
Gerusa Cortes: Sim, hoje tem. Aliás, é muito interessante essa pergunta sua, porque o primeiro programa que a CCEE criou institucionalmente já faz oito anos, que foi para pessoas com deficiência. Eu achei muito inovador isso dentro de uma instituição do setor.
O Mulheres em Fase veio alguns anos depois, e aí eles perceberam a necessidade de migrar para uma pauta que tratasse mais da diversidade. Nós temos uma parceria nessa questão com o Instituto João Clemente. Ele é um parceiro muito antigo da CCEE. Existe um outro parceiro, e esse aqui eu tenho um nome fácil para falar para você: chama Specialisterne, [organização social nascida na Dinamarca ] que trabalha com pessoas, com questões inseridas no espectro autista.
Temos uma parceria que também com uma outra instituição chamada Mais Diversidade, que tem nos ajudado a formatar todos esses programas linkados a isso. E nesse comitê de diversidade são cinco frentes, tá? Nós temos a frente do gênero, a da raça, a LGBTQIAPN+, a geracional e a frente de pessoas com deficiência.
Ou seja, a CCEE está com um olhar que envolve todas as minorias. E se você me perguntar hoje se isso tem o mesmo peso, sim, hoje tem o mesmo peso. Como é que esse comitê trabalha? Ele apresentou, e vai levar agora para o nosso conselho, as propostas para o desenvolvimento dos programas. E basicamente são programas que devem trabalhar com ações afirmativas e com ações educativas.
Agência CanalEnergia: E vocês têm mensurado isso ao longo do tempo? É relativamente recente, mas já dá para ter um algum tipo de mensuração dos resultados?
Gerusa Cortes: Os resultados na frente de PCDs, que já está há um tempo, e na frente das mulheres, a gente percebe um aumento com a contratação de pessoas, no caso do capacitismo. Eu não tenho o dado agora para te falar, mas eu já fico com o dever de casa de te passar o dado.
Na frente do gênero, o que você percebe foi um aumento da participação feminina no quadro da CCEE. Isso a gente tem, mas, como você disse, ainda é recente. Eu acredito que num cenário de mais um ou dois anos a gente consegue ter, aí sim, a mensuração das metas que a gente se propôs. Porque, ano a ano, a gente vem desenvolvendo.
No caso da diversidade, a concepção está sendo desenvolvida mais fortemente esse ano. Então se a gente tiver uma conversa daqui a um ano, eu acho que a gente tem como apresentar números melhores.
Agência CanalEnergia: Como isso pode ser benéfico também para a nova configuração do mercado? Hoje, tem um mercado que é muito diferente do que era lá nos primórdios do MAE e depois CCEE. Como é que isso pode contribuir, e vai ser uma coisa boa, para para enfrentar os desafios que a CCEE tem pela frente, que são muitos, inclusive? A CCEE vai ser certificadora na questão do carbono. Então, é mais uma frente de trabalho que eu acho que vai precisar de bastante gente qualificada, não é?
Gerusa Cortes: Sem dúvida. E, assim, como é que isso se reflete? Quando você olha os dados da Agência Internacional de Energia e dados da Irena (Agência Internacional de Energias Renováveis), o que você percebe no setor de energia de modo geral? A presença masculina é muito mais forte.
Mas você citou a questão da certificação. Nos setores de renováveis, os dados indicam que as oportunidades para as mulheres, nessa questão de gênero, são melhores. Então, as perspectivas no setor de renováveis é que você tenha uma presença das mulheres muito mais forte.
A gente entende que isso deve se refletir também quando a gente trata desses temas inovadores do setor de energia. Então, nesse campo da inovação, a possibilidade de você trazer mais mulheres, a participação, é bem grande.
Como é que isso transforma a empresa? Esses estudos apontam que empresas que possuem uma diversidade, que possuem um quadro mais diverso, mais inclusivo, são empresas que são mais inovadoras, são empresas que são mais criativas. Então, quando você tem pensamentos, quando você traz pessoas que podem ter um olhar, um viés, diferente do seu, isso contribui para a tomada de decisões, isso contribui para o aprimoramento das normas, isso contribui para a evolução.
Então, eu penso que essa transformação, você falou que a gente está vivendo um momento de transformação do setor, a gente também está vivendo um momento de transformação na inclusão. Certamente, quando você traz a diversidade para dentro da casa, isso vai contribuir nessa evolução.
Agência CanalEnergia: E você, particularmente, se sente à vontade, confortável, na posição? Como foi esse momento de passar para esse lado do balcão?
Gerusa Cortes: É desafiador. Sem dúvida, sim, é muito desafiador, porque é uma responsabilidade. É uma atividade que muito me honra ter passado para o lado de cá do balcão. Eu fico muito feliz com a com a decisão que foi tomada, com a eleição. Sem dúvida, ele é desafiador, porque você tem que mudar um pouco o seu olhar, você tem que mudar a sua perspectiva. Mas eu me sinto muito encorajada, porque realmente eu tive antecessoras no Conselho da CCEE, desde lá da Élbia Mello, hoje Élbia Gannoum, que hoje está na presidência da Abeeólica. Nós tivemos depois Roseanne Santos, Solange Davi, a própria Talita Porto. Existe um histórico nessa cadeira de mulheres muito capacitadas. Então, me encoraja muito dar continuidade a esse trabalho delas também na CCEE. É desafiador, mas é como eu disse, é bem encorajador. Eu me sinto de fato bem estimulada.
Agência CanalEnergia: O Ministério de Minas e Energia, por exemplo, já tinha um movimento forte, o Sim, Elas Existem!. E em outros campos do setor tem também movimentos de mulheres. Vocês têm uma interface? Você citou outras instituições com quem vocês já tem uma parceria, mas, em termos de governança do setor, existe essa troca, inclusive com o ONS?
Gerusa Cortes: Eu acho que o evento do Comitê de Diversidade foi muito importante para a gente estreitar esses laços. Nesse evento estavam presentes as representantes do ONS que conduzem o programa delas, que é chamado Mulheres à Bessa. A Agnes [da Costa], diretora da Aneel, que foi uma das criadoras do Sim, Elas Existem!, também levou as premissas, a concepção do programa. Então, nós temos essa interação com outros grupos e com outros programas de liderança feminina.
Eu, particularmente, participo de dois grupos de liderança feminina aqui no Brasil. Um é o Mulheres de Energia, que é um grupo formado mais por mulheres do C Level. E o outro é Infrawomen Brasil, que é um grupo que tem várias frentes. Não só apenas de energia, mas tem o Comitê de Saneamento, o Comitê de Portos. E o objetivo dele é focar no desenvolvimento de mulheres na área de infraestrutura.
E, fora do país, eu tenho uma participação em um grupo chamado Moçambique Women in Energy, que é um grupo de mulheres de Moçambique. Eu sou embaixadora desse grupo, que é para ter uma troca. Mas isso já é uma questão mais pessoal. Não é via institucional. Eu já trabalho com esse grupo faz uns quatro anos. Essas três últimas que eu te falei, as primeiras são institucionais – a interação com Mulheres à Bessa, com a diretora Agnes lá no comitê, isso foi institucional da CCEE. O Mulheres de Energia, o Infra Women e esse de Moçambique são aí interações que eu faço no meu campo pessoal.
E, esse ano, eu ajudei a coordenar um livro. Chama-se “Visões do Setor de Energia Elétrica”, que é um livro escrito só por mulheres. É muito comum a gente ver livros do setor de energia com artigos variados, com artigos ou de homens, ou mistos. A gente fez esse ano um livro com artigos feitos só por mulheres.
Eu acho que a mensagem é que tem que ter coragem de seguir em frente, que é uma pauta muito relevante para o setor. É uma pauta necessária. Não apenas a questão de gênero, mas a questão de diversidade. Ela é uma pauta necessária para que nós possamos dar mais visibilidade a essas pessoas e, de fato, conseguir transformar. Transformar as instituições, as corporações. E permitir que o setor seja mais inclusivo, com ações concretas. Eu acho que o mais importante é isso.