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O subprocurador Lucas Rocha Furtado solicitou ao Tribunal de Contas da União a apuração de possíveis irregularidades na antecipação de recebíveis da Eletrobras para quitação dos empréstimos das contas Covid e Escassez Hídrica. A operação foi colocada em xeque pela Agência Nacional de Energia Elétrica, ao levantar dúvidas sobre os benefícios para os consumidores da transação financeira autorizada pela Medida Provisória 1.212.

O representante do Ministério Público junto ao TCU afirmou no documento protocolado na última quinta-feira, 31 de outubro, que se forem confirmados os indícios de prejuízos aos cofres públicos apontados pela Aneel na operação, a corte deve abrir processo de fiscalização para responsabilização dos agentes envolvidos, além de  enviar os autos ao Ministério Público Federal. Furtado defendeu ainda que o processo seja encaminhado ao presidente do Congresso Nacional.

O benefício econômico da negociação dos créditos que seriam repassados pela Eletrobras à Conta de Desenvolvimento Energético é de apenas R$ 46,5 milhões, o que dá um impacto tarifário de 0,02%. O valor é onze vezes menor que os R$ 510 milhões calculados inicialmente pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, responsável pela negociação com um grupo formado por Banco do Brasil, Bradesco, Itaú BBA, BTG Pactual e Santander.

Para o relator do processo na Aneel, Fernando Mosna, os maiores beneficiários foram os bancos, que terão ganhos maiores que os consumidores, em uma operação que tinha como objetivo reduzir os aumentos nas tarifas de energia elétrica do mercado regulado.

Antes de assinar o contrato com os bancos em 7 de agosto, a CCEE recalculou o valor inicial duas vezes, chegando a um benefício de apenas R$ 2,8 milhões e, após ajustes, aos R$ 46,5 milhões. O desembolso e a quitação dos empréstimos das contas Covid e Escassez ocorreu em 4 de outubro, com a publicação dos benefícios no último dia 15.

“Entendo que tanto os benefícios indicados pelo MME na antecipação do recebimento dos recursos quanto os indícios de prejuízos aos cofres públicos nessa operação trazidos pela Aneel devem ser detidamente analisados por esta Corte de Contas. Deve ser apurado e definido, de forma clara, se houve ou não a ocorrência de irregularidades nessa operação financeira de antecipação de recebíveis,” afirmou o subprocurador.

Impacto diferenciado

A Aneel, que abriu consulta pública para tratar dos desdobramentos tarifários da antecipação, decidiu fiscalizar a atuação da CCEE em todos os aspectos envolvidos na operação. O contrato com os bancos foi  assinado pela Câmara de Comercialização em 7 de agosto, e o desembolso e quitação dos empréstimos das contas Covid e Escassez aconteceram em 4 de outubro.

Fernando Mosna ressaltou que a antecipação teve impactos variados, com benefício de R$1,219 bilhão para os consumidores de 50 distribuidoras e um efeito desfavorável de R$ 1,172 bilhão para os clientes de outras 53, indicando que a operação não foi vantajosa para os consumidores atendidos por essas empresas. Distribuidoras com mais recursos a receber dos aportes na CDE para a modicidade tarifária tiveram que ceder esses recursos às empresas que tinham participação maior nos empréstimos.

“Esse realinhamento resulta em uma distribuição não isonômica dos benefícios da desestatização da Eletrobras entre as concessionárias de distribuição, gerando uma quebra de expectativas quanto aos benefícios previstos para uma parcela significativa do mercado cativo de energia no país,” salientou o diretor.

O Ministério de Minas e Energia defendeu a quitação antecipada dos empréstimos, afirmando que as condições estabelecidas na Medida Provisória 1.212 garantiram a negociação de taxas de juros em valores bem mais baixos que os pactuados na contratação desses recursos. Para o ministério, os efeitos da operação extrapolam o benefício medido para o consumidor, na forma proposta pela portaria interministerial que estabeleceu as diretrizes da operação.

Na avaliação da Aneel, no entanto, o retorno para o consumidor é modesto, comparado à comissão de 0,90% sobre o valor de face da operação com os bancos (R$ 7,8 bilhões), a ser aplicada caso o pagamento seja descontinuado pela Eletrobras. Ela tem um custo de R$ 70,4 milhões, quase uma vez e meia o valor do benefício obtido pelos consumidores na operação.

A CCEE também teve que negociar com os credores dos empréstimos das contas Covid e Escassez uma taxa sobre o saldo devedor, para que eles aceitassem o pré-pagamento (Waiver Fee). Essa taxa de 3% sobre a soma do saldo das duas contas (R$ 9 bilhões), mais o pagamento de tributos incidentes, deu um valor final de R$ 285 milhões, seis vezes maior que beneficio.

“Um waiver fee de cerca de seis vezes maior que o benefício final destinado aos consumidores, demonstra que a maior parte do valor movimentado na operação beneficiou diretamente os credores, não os consumidores. Esse cenário, portanto, suscita dúvidas sobre a adequação do desenho da operação em alcançar seus objetivos de modo eficiente e efetivo,” enfatizou o diretor da Aneel.

Mosna propôs em seu voto encaminhar o processo à Controladoria-Geral da União (CGU) para uma eventual apuração dos atos do secretário nacional de Energia Elétrica do MME, Gentil Nogueira Jr. Também defendeu o envio da documentação ao Congresso Nacional, para avaliação pelas comissões competentes; e ao TCU, para apurar “o aparente erro grosseiro” e em razão da ausência de poder fiscalizatório da Aneel sobre atos do MME.

Ele foi acompanhado pelo relator Ricardo Tili, mas os diretores Sandoval Feitosa e Agnes da Costa votaram contra a proposta, que ficou empatada e sem decisão.