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O novo compromisso de redução das emissões (NDC) do governo brasileiro até 2035 representa um progresso em relação à NDC anterior, mesmo considerando o piso da meta, e é, de certa forma um convite para que agentes internacionais, estatais e atores privados no Brasil se engajem no sentido de ajudar o país a alcançar essa meta mais ambiciosa.
A avaliação é do advogado Guilherme Leal, sócio da área Ambiental e Mudanças Climáticas do escritório Graça Couto Advogados e membro do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável – CEBDS.
O documento que antecipa a NDC de 2035 foi apresentado oficialmente nesta quarta-feira (13/11) durante a COP 29, no Azerbaijão, e recebeu críticas de organizações não governamentais que esperavam uma meta mais ousada. Ao rever a contribuição, o governo estabeleceu uma faixa de redução das emissões de gases de efeito estufa de 59% a 67% em relação a 2005.
Analistas também expressaram preocupação com a falta de compromisso do Brasil em relação à transição dos combustíveis fósseis, como reportou o Canal Energia, a partir de avaliações do ClimaInfo. Em relação a petróleo e gás, há uma previsão de aumento em 36% na produção no período de dez anos.
Para Leal, a NDC não silencia em relação aos planos de investimento em energia fóssil. “Ela trata, sim, de um movimento de transição, de afastamento da matriz energética do fóssil, (…) mas ressaltando que os países desenvolvidos devem, nos termos do Acordo de Paris, assumir a liderança e a dianteira nessa transição, e levando em consideração o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas,” explicou e entrevista ao CanalEnergia Live.
Veja a transcrição editada abaixo, ou a integra em video.
CanalEnergia: Eu queria começar pedindo para você fazer uma avaliação da nova NDC, que é a Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil. Foi feita a revisão, foi apresentada, inclusive, ontem no evento, e parece que foram feitas algumas críticas. Queria que você relatasse como é que essa NDC foi recebida na Cop 29.
Guilherme Leal: De fato, ontem teve o anúncio oficial, a entrega oficial da NDC brasileira. Ela traz uma particularidade diferente das NDCs anteriores, em que a meta foi fixada em uma banda. Isso quer dizer que não houve estabelecimento de um percentual fixo de meta de redução ou de mitigação de gases de efeito estufa, mas um espectro de redução que varia entre esse de redução em comparação com os parâmetros observados em 2005. E foi justamente essa característica do fato da NDC apresentada em banda que foi objeto de certa crítica.
Alguns sustentam que isso causaria uma certa confusão, no sentido de que não estaria muito claro qual seria a ambição brasileira, se seria aquele piso ou o teto da ambição. E muitas vozes sustentam que o que se deve levar em consideração seria a maior ambição apresentada como referência, o que vai ser sujeito a algum grau de discussão nos próximos meses, até a COP em Belém.
Mas há, por outro lado, uma certa validade nessa apresentação. A ambição, mesmo considerada no seu piso, vamos colocar assim, ela representa um progresso em relação à anterior e, de certa forma, essa pretensão de alcançar uma ambição maior durante o período até o ano de 2035, que é esse período aplicável, é um convite para que agentes internacionais, estatais e agentes privados no Brasil tenham um grau de engajamento no sentido de ajudar o país a alcançar essa meta mais ambiciosa.
CanalEnergia:É possível ajustar isso até a COP30? Fazer algum tipo de ajuste?
Guilherme Leal: O Acordo de Paris permite que a qualquer momento seja possível uma revisão da NDC, desde que seja para frente, desde que seja para estabelecimento de metas mais ambiciosas e progressivas. Em tese, sim. Em tese, o Acordo de Paris permite revisão a qualquer momento.
CanalEnergia: A gente estava falando da questão das críticas à proposta. Eu ouvi críticas falando que o governo silenciou a respeito da questão da exploração de petróleo e gás. A gente viu que o governo continua apostando forte na próxima década para aproveitar as potencialidades do Brasil em relação a essas áreas. O Ministério de Minas e Energia, inclusive, incluiu no planejamento decenal. Foi reforçado no planejamento decenal o aproveitamento do gás natural como fonte da transição energética. E eu queria que você comentasse um pouco isso, se isso não seria um paradoxo, ao mesmo tempo em que se fala em limpar e reduzir emissões, se silencia a respeito dessa questão.
Guilherme Leal: Na verdade, a NDC não é silente em relação a isso. Ela trata, sim, de um movimento de transição, de afastamento da matriz energética do fóssil, mas destacando de forma muito clara que o país estaria, sim, empenhado em promover essa transição, esse movimento, mas ressaltando que os países desenvolvidos devem, nos termos do Acordo de Paris, assumir a liderança e a dianteira nessa transição, levando em consideração o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
CanalEnergia: Qual é a contribuição do setor elétrico no cumprimento dessa NDC do Brasil? Como é que você vê o papel do setor?
Guilherme Leal: A implementação da NDC vai ser objeto de medidas domésticas que estão sendo discutidas no âmbito de um plano, o Plano Clima, que vai estabelecer planos setoriais, tanto de mitigação quanto de adaptação. Então, isso é algo que está sendo costurado e com o objetivo de dar operacionalização, de dar, de executar ações concretas no âmbito nacional, nesses setores mais relevantes. O Plano Clima vai disciplinar, estabelecer as diretrizes principais para que diversos setores – elétrico, setor de transporte, entre diversos outros, como eles vão contribuir para esse movimento de mitigação de emissões.
CanalEnergia: Como você vê a questão do financiamento climático? Porque parece que esse é um ponto focal das discussões. Sempre se fala que nunca se avança.
Guilherme Leal: É porque, de certa forma, acho que um movimento importante é estabelecer mecanismos que permitam irrigar com recursos financeiros projetos que promovam reduções de emissões de gases de efeito estufa ou remoções da atmosfera desses gases. Então, o Brasil tem uma vocação importante nesse segmento, nesse setor, nessa frente de desenvolvimento de projetos de remoção de gases de efeito estufa, baseados na natureza, sobretudo.
A região amazônica tem um grande potencial nesse sentido. Mas é importante criar mecanismos para que esses projetos tenham um financiamento adequado, saiam do papel e promovam impactos positivos, efetivos, tanto ambientais, climáticos, sociais e econômicos.
CanalEnergia: Por último, eu queria que você comentasse um pouco da questão do mercado de carbono. A gente teve a aprovação desse projeto. Como é que esse mercado brasileiro pode contribuir para o cumprimento das metas e até gerar recursos para financiar a própria descarbonização?
Guilherme Leal: O mercado vai ser criado, se tudo correr como planejado, e parece que há uma intenção do governo até de ter essa lei sancionada ainda no curso da COP30. Esse sistema de comércio de emissões vai levar algum tempo para ser implementado e para ser operacionalizado. A própria lei prevê um período de regulamentação que deve ir até dois anos, depois tem mais uma fase de instrumentalização dos mecanismos de recorte. E só depois de um período, que deve ser de pelo menos uns quatro anos, é que a gente vai começar a ter esse instrumento, esse sistema, em execução.
Enquanto isso, o Plano Clima é desenvolvido, com os planos setoriais de mitigação sendo implementados. Acho que um desafio importante que a gente vai ter mais a frente é conciliar os planos setoriais que serão desenvolvidos no âmbito do Plano Clima com o plano de alocação nacional que vai ser aprovado dentro desse sistema de comércio de emissões. Então, é algo que ainda precisa de regulamentação, de debate, para que haja uma harmonização entre essas peças.
CanalEnergia: Bom, então, a gente pode esperar lá mais para o fim da década? Você tem aí uns quatro, cinco anos de discussão para a implementação efetiva desse ambiente. Enquanto isso, você falou, vai andando o Plano Clima.
Guilherme: Exato.
CanalEnergia: Mais alguma coisa que você tenha percebido na discussão e que queira dar uma pincelada aqui para a gente?
Guilherme Leal: Acho que, para o Brasil, esse tema do mercado de carbono está sendo o grande destaque esse ano. O mercado de carbono, que tem discussões paralelas de avanços acontecendo, tanto em relação a esse mecanismo do Acordo de Paris aqui na COP, quanto no Congresso Nacional, do projeto de lei também está avançando no sentido de implementar o sistema de comércio no Brasil. Então, eu diria que esses são os grandes destaques: o de carbono e a nova NDC que vai orientar as ações e os planejamentos nos próximos anos.