Vivemos um momento de profundas transformações no setor elétrico. Os limites entre gerador, distribuidor e consumidor estão se tornando cada vez mais tênues, abrindo espaço para um novo modelo energético, mais integrado, flexível e centrado em quem consome. Antes centralizado, o mercado agora caminha para um ecossistema descentralizado, digitalizado e orientado por dados, onde o consumidor não apenas consome, mas influência e até gera energia.
Segundo Cyro Vicente Boccuzzi, sócio fundador da ECOee e presidente do Fórum Latino-Americano de Smart Grid, estamos diante de um consumidor mais ativo, informado e engajado, inclusive com sua própria agenda ambiental. “No entanto, ainda há uma desconexão importante nas discussões sobre transição energética no Brasil, o consumidor muitas vezes permanece à margem. Mesmo com uma matriz energética limpa, abundante e, teoricamente, competitiva, fatores como subsídios cruzados e encargos regulatórios acabam comprometendo essa vantagem”, disse.
Ele ainda alertou que, no Brasil, por exemplo, nas discussões de transição energética do governo brasileiro, o consumidor está colocado de lado. “Aqui no país, temos energia muito barata, muito renovável, muito abundante, portanto, teoricamente, um potencial competitivo muito grande, mas, na prática, os subsídios e os jabutis, acabam tirando a nossa competitividade. Hoje, o grande desafio é, realmente, oferecer serviço agregado, trazer o consumidor para o centro da discussão”, destacou.
Para Boccuzzi, é possível observar uma profundidade gigante de novos negócios depois do medidor. “Esse é um terreno ainda muito pouco explorado, tanto pelas empresas que tradicionalmente levam o serviço. Atualmente, o consumidor de energia já não é mais passivo. Ele busca participar, personalizar e, cada vez mais, assumir controle sobre sua matriz energética. Esse perfil é também impulsionado por uma agenda ambiental clara com exigências por rastreabilidade, uso de renováveis e compromissos socioambientais firmes.
Hoje, vivemos um cenário de sobre oferta de energia onde o desafio, portanto, não está na geração, mas sim na criação de demanda qualificada. “O Brasil tem, diante de si, uma chance histórica de promover uma nova industrialização, descarbonizando setores produtivos e eletrificando processos com energia mais limpa, porém ela precisa chegar mais barata e mais eficiente”, disse Cyro.
Na prática, isso exige uma nova postura das empresas do setor: trading com serviços agregados, proteção contra risco de preço, flexibilidade no consumo, eficiência energética, uso de certificados de energia renovável (IRECs) e, claro, um olhar atento à agenda ESG, que cada vez está presente nas exigências de grandes consumidores.
“Estamos entrando numa era de novos paradigmas, marcada pela descentralização da geração, penetração massiva das renováveis e a necessidade urgente de flexibilidade do sistema. A energia solar e eólica, despachadas pela natureza, exigem um sistema preparado para lidar com a intermitência e as rampas bruscas de variação”, explicou o executivo ECOee.
E aí entra uma oportunidade ainda pouco explorada: o mundo além do medidor. A relação com o cliente pode e deve ir além da entrega do kWh. É possível oferecer suporte técnico para melhoria de processos, confiabilidade do sistema, gestão da demanda, uso de baterias, pacotes sob medida — sempre com um certo nível de padronização para viabilidade comercial.
O executivo ainda afirmou que o futuro da energia não está apenas na geração. Está na inteligência de uso, no serviço agregado e na capacidade de entender o que cada cliente realmente precisa. “Esse é o terreno fértil que ainda temos para explorar e que define o caminho das empresas inovadoras no novo cenário energético”.
Smart grids e a infraestrutura do futuro
Cyro ainda lembrou, que como apresentado no Fórum Latino-Americano de Smart Grid, a modernização da infraestrutura elétrica brasileira é urgente. As redes de transmissão e distribuição (T&D) atuais não estão preparadas para integrar geração distribuída, lidar com eventos climáticos extremos ou oferecer os serviços de flexibilidade exigidos pela nova realidade.
De acordo com o executivo, o desafio estimado é mais de R$ 350 bilhões em investimentos até 2027/28, para tornar a rede apta à nova lógica do setor. E ao que tudo indica, isso só será possível com políticas públicas claras, renovação dos contratos de concessão e atuação coordenada entre agentes públicos e privados.
Para finalizar, o executivo declarou que o futuro da energia está em redes mais inteligentes, mercados mais abertos e consumidores mais empoderados. E o papel das empresas é construir essa ponte entre o potencial e a prática, unindo tecnologia, estratégia e compromisso com um novo modelo energético.