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O Operador Nacional do Sistema Elétrico diz que o volume de cortes de geração de energia tem sido influenciado pela forte expansão das renováveis no Brasil quando comparado à expansão da transmissão. O descasamento de prazos é fundamental para que essa conta não feche quando se avalia a capacidade de escoamento de energia. Ao mesmo tempo, a inserção de energia por meio da GD tem limitado o espaço para o uso das energias não controláveis no SIN.
Nessa entrevista exclusiva com o diretor geral, Marcio Rea; diretor de Planejamento, Alexandre Zucarato; e o diretor de Operação, Christiano Vieira da Silva, o CanalEnergia questiona sobre as classificações, o motivo e como o Operador tem se posicionado e atuado diante desse assunto tão importante para o setor elétrico brasileiro no ano de 2025. Essa entrevista faz parte da apuração para a Reportagem Especial a ser publicada na próxima sexta-feira, 25 de abril, sobre os cortes de geração. E na sexta-feira também teremos outra entrevista exclusiva com a diretora da Aneel, Agnes da Costa.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
CanalEnergia: A primeira pergunta trata da reclamação dos agentes quanto ao volume e a classificação de cortes, que têm levado geradores a registrar redução de até 70% da expectativa de geração. Por que o ONS tem dados essas classificações? Quais os motivos que levaram apontar essas classificações?
Marcio Rea: Nós temos mantido reuniões periódicas com os agentes. Tivemos uma ontem [véspera da entrevista realizada em 26 de março de 2025], com mais de 300 pessoas interessadas. Então, eles têm a informação. Hoje posso dizer que essa questão é um dos temas mais importantes aqui para o ONS. Tanto que estamos junto ao Ministério, com a EPE, com a Aneel para estudar uma maneira de resolver, pelo menos em parte, esses problemas. Eu tenho insistido muito com a Aneel para que essa consulta se habilite logo. Atualmente, o ONS adota os critérios técnicos que foram estabelecidos pela Resolução 1030, de 2022.
O primeiro deles é a disponibilidade externa, que é quando há falhas ou limitações em ativos da rede de transmissão que impedem o escoamento normal de energia. Então, aí eu tenho que cortar, não tem como. Um outro fator que também é importante é a confiabilidade para atendimento aos requisitos de segurança do sistema. A gente tem que utilizar também. E o terceiro é a razão energética, motivada pela sobreoferta de energia. Ou seja, quando a geração supera a demanda em determinados momentos. Então, a gente tem que fazer esse corte.
Alexandre Zucarato: O corte que tem dado mais discussão ali, que é o tal do corte por confiabilidade. De onde que vem a necessidade dele? Então, em ambiente de planejamento, de estudo, a gente utiliza simuladores da operação do sistema para ver até que ponto a operação do sistema é segura. Então, a gente desenha um ‘cercadinho’, que é a região de segurança, encaminha isso para a operação, que programa a geração para o dia seguinte e verifica se essa geração está dentro deste, chamado ‘cercadinho de segurança’. Se estiver, a gente atende os critérios que definem a confiabilidade do sistema. O tempo real também monitora a evolução da geração. E toda vez que o ponto de operação ameaça cruzar esse ponto estabelecido, a geração precisa ser cortada para manter o sistema dentro da região de segurança.
Lá no blecaute de 15 de agosto de 2023, no processo de apuração das causas da ocorrência nós identificamos que um dos dados de entrada que usamos no simulador, que é a resposta das usinas em caso de perturbação, não estava condizente com o que existia em campo. Os agentes encaminharam dados de entrada do simulador, que representa como a usina vai responder quando o sistema sofrer uma perturbação. E esses modelos estavam muito otimistas. Tanto que, se estivesse calibrado, nós teríamos desenhado uma região de segurança que a perda daquela linha não levaria àquela consequência que teve.
Quando a gente descobriu essa evidência precisamos tomar medidas voltadas a corrigir esses dados de entrada por meio de uma ‘autópsia’ daquela perturbação. Pegamos os dados em campo que a gente conseguiu medir e os aplicados aos modelos que nos mandaram para adaptar os modelos e reproduzir aquela perturbação. Quando a gente fez esse ajuste nesses dados de entrada, a região de segurança ficou menor.

CanalEnergia: Esse é o motivo então da adoção de uma postura mais conservadora na operação do sistema?
Alexandre Zucarato: Esse é um ponto que a gente tem escutado muito. Mas eu digo que o critério de operação não mudou, os processos de planejamento e operação não mudaram, o simulador não mudou. O que mudou foram os dados de entrada que nos enviaram, que estava superestimando a performance em campo e nós tivemos que fazer um ajuste. Esse dado é enviado pelo agente gerador. Só que é importante destacar aqui que a validação desse dado de entrada não era um pré-requisito para entrarem em operação comercial. Isso é verificado posteriormente, a gente estava com um estoque de pendências de validação desse modelo já há bastante tempo, reportáveis para a Aneel.
Tudo isso foi tratado bastante lá no relatório do RAP da perturbação. Tanto que uma das medidas recomendadas e que já foi implementada desde 1º de janeiro desse ano, é que nenhuma usina entra em operação comercial sem modelo validado. E essa lição aprendida foi compartilhada com outros operadores de sistema que, inclusive, estão utilizando a nossa experiência seja no processo de integração, seja no protocolo de validação para ser utilizada também em outros países.
Essa ação se tornou absolutamente crítica, dado o tamanho da penetração das renováveis, a representação da eletrônica de potência deve estar adequada. Isso é completamente diferente da máquina síncrona que responde para o sistema de uma forma que depende das leis da física. A eletrônica de potência responde de acordo com o controle que alguém programou. Então muda o modo de falha. Um está na mão da natureza, outro está na mão dos programadores ou matemáticos.
CanalEnergia: Então não houve mudança na operação com aquela ocorrência de agosto de 2023?
Alexandre Zucarato: Não, a gente opera no mesmo critério, com o mesmo simulador e com o mesmo processo. Só que a gente precisou corrigir o dado de entrada a partir do momento que nós tivemos uma evidência irrefutável de que essas informações estavam superestimadas. E nós tomamos as medidas necessárias para estancar o problema. Além disso, tomamos uma providência de sugerir ao regulador de alterar o processo e de que essa validação possa ser impeditiva para a entrada em operação comercial de novas usinas.
CanalEnergia: Pelas regras não era impeditiva?
Alexandre Zucarato: Antes não era. E aí ficava com uma pendência, só que essa pendência não tinha consequência econômica. É diferente na transmissão que se o ativo entrar com pendência, ele perde 10% da receita de largada. Então, na verdade, não tem pendência que fica por meses na transmissão. Só que na geração não existia esse dispositivo. E aí, na verdade, isso criou um estoque. E agora a gente está tendo que sanear esse estoque.
Então, basicamente, no mundo da confiabilidade, os cortes nessa categoria que cresceram, eles teriam uma trajetória natural. Só que houve uma descontinuidade nessa trajetória em função do fato que emergiu, depois do 15 de agosto de 2023, e a região de segurança encolheu, mas não foi por mudança ou conservadorismo.

CanalEnergia: O que mudou pra aumentar o volume de cortes de geração?
Alexandre Zucarato: Desde então até hoje foram adicionados entre 15 e 20 GW em nova capacidade de geração ao sistema. Mas claro que a transmissão também cresceu. Assim a região de segurança de operação do sistema cresce com as novas obras, só que está entrando mais geração do que o crescimento da região de segurança. A conta não fecha. Por isso passamos a ver os cortes energéticos, que eram pontuais, de forma mais regular porque tem mais geração do que a carga cresce, o corte energético que é aquele que mesmo com transmissão infinita vai acontecer de um jeito ou de outro, pois não há demanda suficiente para todo esse volume injetado na rede, principalmente, entre o final do ano e o carnaval.
Tem um processo natural de arrefecimento da carga nesse período, a despeito do calorão, e aí o que acontece? Neste ano específico, nessa transição pra cá, aquele corte energético que era muito pontual de domingo de manhã, ele começou a aparecer em outros dias. E ainda tivemos no final de janeiro para fevereiro também um fato marcante que foi a queda daquelas torres do bipolo de Belo Monte. Nesse período tivemos ainda um protagonismo grande do corte por indisponibilidade externa. Mas cabe uma ressalva, que todo mês a gente recalcula essa região de segurança.
CanalEnergia: Nessa questão da demanda, como é que fica a GD que vem aumentando seu protagonismo no setor elétrico brasileiro?
Márcio Rea: Não se tem controle desses ativos. Nós estamos buscando por meio de um trabalho junto à Aneel para tentar ter uma regulação específica para isso e deixar que as distribuidoras tenham controle sobre essa geração. O potencial é enorme e a projeção indica que em 2029 serão 56,2 GW, mais ou menos. Isso equivale à carga de todo o Sudeste/Centro-Oeste, para termos uma base de comparação.
CanalEnergia: Tem gente que defende que a MMGD, ou a geração distribuída no geral, faça parte da solução para o rateio, porque eles dão origem a uma das classificações que é a redução da demanda. Como vocês, do lado da operação, acham que a geração distribuída também deveria entrar nessa questão?
Alexandre Zucarato: Me permita responder essa pergunta, mas de uma forma um pouco mais ampla. Uma das pautas regulatórias prioritárias do ONS é a gente desenvolver o que temos chamado de operação orquestrada que trata do operador controlar a rede de transmissão, os recursos centralizados, mas conversando com os operadores dos recursos distribuídos, que o jargão em inglês é o DSO. Então a gente está com um projeto com isso, inclusive fizemos workshops com a Aneel, com as distribuidoras e está previsto para daqui a pouco um workshop aberto.
Todo ativo tem três atributos que para um operador são imprescindíveis para cumprir com a sua missão, que se chama observabilidade, controlabilidade e suportabilidade. Eu preciso ver o que está acontecendo, eu preciso ter capacidade de controlar o que está acontecendo e se eu tiver alguma perturbação no sistema eu preciso que os ativos pendurados não caiam justamente no momento da perturbação, então suportar a perturbação e ajudar o sistema a permanecer estável. Então o que acontece?
Quando eu olho para o mundo centralizado, todos esses requisitos estão em procedimento de rede. Só que o mundo distribuído não tem. Se fosse uma capacidade menor não tem problema, agora um monte de sistemas que a soma dá 38 GW, o efeito já passa a ser sistêmico. Então está na nossa pauta que a gente não vai ter condições de estender um procedimento de rede para sistemas de menor porte, pois não faz sentido. O que o mundo está trabalhando é a criação dessa interface entre o operador centralizado e o operador distribuído que trabalham na fronteira de forma coordenada para a gente poder fazer uma integração saudável de todo esse mundo de transição energética.
CanalEnergia: E quais são os desafios que o Operador tem que lidar no ambiente de programação em tempo real?
Christiano Vieira da Silva: Tem uma classificação de eventos que é disciplinada em resolução. E o que a gente faz ali, tanto em tempo de programação, é fazer uma estimativa da quantidade de recursos que vão ser mobilizados no dia seguinte, já tem uma estimativa ou uma indicação prévia do volume de cortes. Agora, essa indicação prévia que a gente chama em D-1 quer dizer, 24 horas antes de começar a operação no dia seguinte, é uma indicação. Mas como sabemos, pode ter um comportamento diferente em tempo real da carga, da irradiância solar, da contribuição da geração eólica. E a resposta da equipe de tempo real é mobilizar os recursos e ajustar o ponto de operação conforme a realização o valor verificado de cada uma dessas variáveis. Então, num primeiro momento a equipe de tempo real vai identificar uma necessidade, algum requisito, alguma necessidade de controle em determinado fluxo.
Então, você tem fluxos que, por confiabilidade, eles não podem extrapolar determinado valor. Vai, eventualmente, identificar que determinados carregamentos não podem também passar por valores que não são admissíveis. Então, ele tem que fazer alguma manobra, o nosso operador tem que fazer alguma manobra em tempo real para garantir que o sistema opere dentro dos parâmetros de segurança, que são necessários para garantir uma operação confiável e segura.

Então, ao identificar essa necessidade, ele vai identificar quais são os equipamentos que precisam operar. Lembrando, a gente tenta, ao máximo, deixar para cortar a geração como última opção utilizada na sala de controle em tempo real. A gente tenta, ao máximo, reduzir toda a geração hidrelétrica possível, porque, ao reduzir a geração hidrelétrica, nas usinas com reservatório, eu começo a armazenar mais. Esse é o espaço para entrar eólica, eu abro espaço para entrar solar e ganho água nos reservatórios.
Mas, assim, o volume de excedente é tal que, mesmo baixando ao máximo, recolhendo o máximo de geração hidrelétrica, a gente não consegue. Até porque eu tenho que permitir que alguma vazão seja turbinada por conta de gestões ambientais e usos múltiplos. Então, quando eu não consigo mais recolher, aí nós começamos a cortar. Esse não é um processo discricionário. Eu tenho um modelo de fluxo de potência que ele analisa qual é a sensibilidade das usinas que estão conectadas perto ao ponto onde tem que ser feito o controle e vão indicar onde devemos atuar para controlar um gargalo. Assim atuamos em cima de uma usina próxima daquele fluxo. O corte acaba sendo localizado porque a gente consegue fazer o menor corte possível e promover o menor impacto possível para manter o requisito de confiabilidade.
CanalEnergia: Como o Operador tem se posicionado junto aos agentes, pois há muitas reclamações por falta de transparência quanto aos cortes e suas classificações.
Christiano Vieira da Silva: A gente entende essa questão e estamos fazendo o maior esforço para dar o máximo de transparência possível, dialogando com todos os agentes e respondendo em ambiente de pós-operação todas as demandas que nos são colocadas. E entendemos por que essa preocupação dos agentes com relação ao acesso aos dados. Os agentes estão conectados a um ponto de conexão na rede. Então, eles não têm uma visibilidade do que acontece no global. Quem compreende o que acontece dentro da rede é o ONS.
E muitas vezes tem mudanças no fluxo da rede que acabam trazendo alguma limitação. E essa limitação pode ser uma necessidade de controle de frequência porque tem excesso de geração. Imagina, quem está conectado no sul da Bahia, eventualmente, não tem essa visibilidade de uma restrição mais a montante, na região do Ceará, por exemplo. Essa visibilidade nós temos.
E muitos desses eventos, eles não acontecem exatamente no momento que o agente está ali, ele olha o dado na contabilização. Então, olha por uma resolução horária e, às vezes, o evento começa numa semi-hora, termina num outro horário e ele quer compreender, olha, por que aquele momento começou como razão elétrica, depois muda para razão energética. Então, nós temos a explicação para toda essa dinâmica da rede que o agente não conhece porque ele vê a realidade apenas no local onde está a planta dele. O que fazemos é interagir com ele para dar toda essa explicação. Qual foi o estado da rede, quando ocorreu esse evento, qual era a ordem dos geradores que foi acionada para controlar o fluxo que precisava ser controlado e qual foi a posição dele e a necessidade dele naquele momento.
Então, todas essas informações, elas estão abertas, são públicas e são passíveis de questionamento e nós endereçamos essas questões caso a caso com os agentes na medida da necessidade. Esse é o processo, a gente está aberto a melhorar. O dado que interessa a um agente, estamos deixando público para todos.
Entendemos que o agente não tem, por princípio, obrigação de ficar olhando o que acontece na rede. Mas o fato é que, até por conta dessa transição energética, vemos o aumento dessa penetração de renováveis. Nós temos um sistema diferente e que hoje está impactando a receita dos agentes, e se o que acontece dentro da rede impacta a receita, os agentes, naturalmente, querem entender o que está acontecendo. É uma necessidade legítima.
CanalEnergia: Vocês acreditam que as obras de transmissão resolverão de vez esse problema do curtailment para as renováveis?
Alexandre Zucarato: Tivemos o POTEE que chegou a bater R$ 60 bilhões de reais que foram licitados. Então, uma solução de planejamento de transmissão espetacular, é coisa de grande porte. Claro que a entrada dessas obras vai aumentar a capacidade de transmissão da rede, para equipamento de geração, atendimento de carga, tem questões locais, questões sistêmicas, tem de tudo naquele pacote. E mais coisa vindo pela frente, eu acho que é digno de nota que nós fizemos uma recomendação de alguns compensadores síncronos lá para a região NE, de caráter prioritário e emergencial, justamente porque com a redução da região de segurança que eu comentei lá atrás, a gente está buscando um mecanismo de tentar mitigar o efeito disso.
Uma parte da solução passa pelos compensadores síncronos, a outra parte é a solução de transmissão que já está licitada e a gente ainda tem algumas outras, são medidas operativas em que estamos trabalhando e desenhando, o Sistema Especial de Proteção, onde utilizamos medidas operativas para maximizar o que consegue fazer passar na rede, estamos propondo SEPs inovadores que a gente não usou até então e que está em estudo, inclusive, vai ser parte das propostas do ONS naquele GT de curtailment lá do Ministério, e também tem um quarto elemento que é otimizar o que está em campo. À medida que eu vou saneando a base de dados e eu vou tendo contato com os modelos reais em campo, assim eu posso aplicar esses modelos reais numa bancada e verificar se eu consigo um ajuste mais eficiente extrair mais valor deles.
Uma experiência como essa nós já fizemos em 2021, não deu ibope, porque não teve consequência nenhuma, mas durante a crise de 2021, nós fizemos uma campanha de saneamento e otimização dos controles de velocidade das máquinas síncronas do Brasil inteiro, hidráulicas e térmicas. Basicamente, a gente está fazendo uma campanha de saneamento e otimização das respostas de reativo das solares e das eólicas. Estamos trabalhando para acelerar ao máximo o que podemos na integração das obras novas, porque passa por aqui essa integração, medidas operativas e a otimização dos controles em campo. Aqui, quero reforçar, a gente faz o que é necessário para manter o sistema.