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A Agência Nacional de Energia Elétrica é apontada por agentes como uma das causadoras do problema dos cortes de geração por conta da Resolução 1030 que introduziu os critérios aplicados pelo ONS. Atualmente, está em andamento a terceira fase da CP 45, que trata de discutir os cortes de geração. A diretora relatora desse processo é Agnes da Costa, que disse nesta entrevista exclusiva ao CanalEnergia no âmbito da Reportagem Especial que trata do assunto, a ser publicada na sexta-feira, 25 de abril, que a meta é colocar o tema para avaliação da diretoria o mais breve possível. Ela diz que a análise técnica deve terminar ainda no primeiro semestre, pois há preocupação com a Safra dos Ventos.

Confira a entrevista completa abaixo:

CanalEnergia: A primeira pergunta é sobre a Consulta Pública 45 de 2019 da qual a senhora é relatora. O prazo de contribuições terminou em 25 de fevereiro e foram enviadas manifestações de associações, consumidores e claro muitas geradoras renováveis. Já existe alguma perspectiva de quando poderá ser avaliada em reunião da diretoria?

Agnes da Costa: Em reunião de diretoria ainda não, mas o compromisso da área, diante de todas as outras demandas que temos na Aneel é de concluir tecnicamente esse processo até o final do primeiro semestre. Nossa preocupação é com o que o pessoal chama muito de safra dos ventos. Queremos, na medida do possível, conseguir chegar no melhor entendimento técnico nesse prazo. E aí, tendo o convencimento técnico de que a solução está boa, a ideia é levar para a diretoria o quanto antes. Nós já começamos a receber alguns agentes, uma ação que mantemos aqui na agência reguladora.

CanalEnergia: Diretora, essa discussão começou em 2019 e já estamos em 2025, esse alongamento para se chegar a uma resolução demonstra o quão complexo é o tema?

Agnes da Costa: Com certeza é complexo, eu acho que é um desafio criar normas que tentem trazer uma justiça locativa entre custos e benefícios, num sistema que está mudando e com implicações econômicas muito grandes. Na prática é disso que a gente está falando. Então, quando a gente viu o início dessa discussão, que começou justamente com uma análise de impacto regulatório, trazendo três alternativas e o olhar lá era assim, se for para fazer cortes, como que faz esses cortes? Não falava de compensação. A segunda alternativa prosperou, tinha um olhar de observar algum critério econômico, tratando de diminuir os dispêndios do consumidor com os encargos. Essa foi a lógica econômica que veio na segunda fase.

E a terceira agora é pensar um critério de corte linear. Mas precisamos lembrar que antes de 2022 teve a norma do constrained off para eólicas, que teve toda aquela questão judicial, que forçou a Aneel a decidir rápido, tinha que decidir naquela hora o que compensava, o que não compensava, o que era risco do gerador, o que não era risco do gerador. Criou-se os três critérios de corte, que, basicamente, é o energético e os dois elétricos de confiabilidade e de disponibilidade externa.

Agora eu herdei a CP já na segunda fase, que a gente abriu com uma norma, que já partia desses mesmos critérios de corte que estavam decididos lá no constrained off da eólica. Então, começou a misturar as discussões do corte com a discussão da compensação. E aí, quando a gente recebeu todas essas contribuições, a gente viu que talvez dava para fazer essa terceira fase da consulta pública. Esse critério econômico é muito importante, a questão que a gente tem falado e está na terceira fase também é da transparência do ONS na aplicação dos critérios de corte.

E aí, o que a gente trouxe, então, na terceira fase diante desse gabarito de corte mais transparente é você tratar um pouco da alocação desses cortes, que tem a ver com a primeira proposta lá da terceira alternativa do AIR, ter algum tipo de forma de ratear esses efeitos entre os agentes que, originalmente, eram contrários. Como o efeito dos cortes vem aumentando, se você não pensa em alguma lógica de rateio, você acaba eventualmente prejudicando individualmente fontes ou empreendimentos de uma forma muito grande. Hoje vemos que eles tendem a concordar com isso para não, digamos assim,
não individualizar o ônus de uma forma muito concentrada. Então, isso é que está na terceira fase da consulta pública.

Eu acho que a MMGD tem que entrar também no rateio, vamos ter que confrontar um pouco essas opiniões. Agnes da Costa, da Aneel

CanalEnergia: O ONS tem feito aquela operação, como ele disse, clusterizada de cortes, uma metodologia mais pulverizada para reduzir o impacto de forma individualizada. Começou no Ceará, depois foi para a Bahia e uns meses atrás disse que talvez chegaria em Minas Gerais, por conta da localização de vários projeto solares. Essa é a forma que está sendo discutida?

Agnes da Costa: Essa é a discussão, a gente gostaria de trazer isso para a norma e o que o ONS defende é que isso fique nos procedimentos de rede. Então, eu acho que a gente vai chegar em algum bom termo do que é razoável estar na norma para os agentes saberem, justamente, como que está sendo feita ou como está evoluindo. Eles estão aplicando a clusterização porque eles entenderam que é uma forma melhor, que é um olhar que eles conseguem fazer sobre a operação do sistema, que eventualmente, digamos assim, distribui de alguma forma mais justa esses efeitos.

Sempre vai ter espaço para aperfeiçoar isso. Até porque em termos de tecnologia de formação, de medição, de tudo, a tecnologia vai evoluindo e a forma de você apurar esses dados também. Mas alguma coisa a gente entende a priori que tem que estar na regra, sim, e sempre passível a gente ajustar, né, mas para dar essa previsibilidade para os agentes, que eu acho que é bastante importante.

CanalEnergia: Entre as ideias que vem sendo defendidas está a de incluir os valores dos cortes no ESS, esta seria uma forma de não impactar diretamente a conta do consumidor e ter os valores pagos pelo sistema. O que acha dessa proposta?

Agnes da Costa: A gente está falando do físico. Aí o ESS, será que é meritório a gente rediscutir se cabe compensação ou se não cabe, se a gente em algum momento chegar nessa discussão de novo, aí assim, é uma alternativa ser visitada. Agora o que a gente tem que pensar é o quanto que é razoável. Por trás de toda essa discussão de compensação estão diversos modelos de negócio em ambientes de contratação diferentes e o nível de risco que os agentes assumem ao decidirem investir. É verdade que protege o investimento, agora o quanto que isso é razoável a depender dos direitos e obrigações com o sistema.

CanalEnergia: A Aneel participa do GT formado no MME que visa discutir o corte de geração. Qual deve ser o papel da Agência reguladora nesse grupo ?

Agnes da Costa: Eu participei da primeira reunião que foi decidida pela criação do grupo. O Alessandro Cantarino, que é o nosso representante. Nossa participação não será a de levar a CP 45 para lá. Nosso compromisso é o de mostrar onde estamos. E aí tem muito o trabalho aqui da Aneel junto com o ONS de acompanhar justamente, pegar os casos concretos, ver como estão aplicando os cortes, para, justamente, ver até onde conseguimos disciplinar isso em norma ou não sem passar por cima da competência de ninguém, nem levar o trabalho da Aneel para outro órgão ou o contrário.

CanalEnergia: Há uma ideia circulando no mercado de que a MMGD também teria que contribuir com o curtailment porque essa modalidade que está em cerca de 40 GW ajuda a reduzir a demanda no horário de ponta. Como vê essa discussão?

Agnes da Costa: Eu ainda não tenho opinião formada. Essa foi até uma provocação que eu fiz no meu voto. Quando a gente olha para a questão energética, a gente está falando de um excesso de geração que vem da MMGD. Então isso é um fato, até com a própria associação eu falei isso, acho que ninguém nega esse fato, então ele existe. Agora, se é possível colocar a MMGD para dentro do rateio, se é possível a gente enxergar a MMGD como um gerador, voltando para aquela discussão da compensação dos direitos de obrigação dos agentes com o sistema é uma questão. A MMGD tem mais uma cara de consumidor do que de um produtor independente.

Mas por que eu fiz essa provocação no voto? Porque, justamente, eu acho que vem uma abordagem bem mais jurídica. Porque aí você tem que olhar para essas regras, até onde é a responsabilidade do consumidor, do prósumidor da MMGD? Eu acho que a MMGD tem que entrar também no rateio, vamos ter que confrontar um pouco essas opiniões, mas para deixar muito claramente, na abertura da consulta pública a gente não colocou isso, e no voto justamente eu trouxe muito essa dúvida jurídica, eu não sei se é possível. Considerando esse fato desse excesso de geração descentralizada que está levando ao corte da geração centralizada, se é possível alocar parte dessa responsabilidade a quem está sobreofertando o sistema também.

Análise técnica deve terminar ainda no primeiro semestre, pois há preocupação com a Safra dos Ventos, segundo diretora da Aneel

CanalEnergia: Em sua opinião, como é que chegamos a essa situação de cortes? São apenas os gargalos em transmissão dado o descasamento de prazos ou foram mais autorizações de geração que levaram à sobreoferta de energia que vemos atualmente dado que vemos ainda o avanço da MMGD ? E como que a gente pode fazer para atrair demanda, atrair carga, seria a solução para esse caso também?

Agnes da Costa: Eu enxergo, e aí é o meu chapéu de quem trabalha com política pública por muito tempo, muito desenho de política pública que foca em problemas em uma área e cria problemas em outras. Isso acontece muito. Então, quando você falou da parte das incentivadas, a política pública de incentivo, ela começou lá no início dos anos dois mil, buscando diversificar a matriz, atrair
todo tipo de fonte, todos com incentivos, porque não eram fontes competitivas, e que precisava diversificar, não podia ficar dependendo de hidrelétrica e termoelétrica, que demoravam um tempão para construir, com todos os riscos que você conhece bem.

Então, ela começou com esse objetivo. Com o passar do tempo, a gente viu uma consolidação de uma indústria que viu uma necessidade de sobreviver, de se manter, e aí existe um apelo muito grande para as economias regionais, que é relevante, é um outro aspecto que a gente não enxerga aqui na Aneel, só lidamos com os efeitos. Esses subsídios foram sendo prorrogados e ampliados. Quando chegou em 2017 com a CP 33 houve a tentativa de diminuir isso. Na pandemia teve toda aquela preocupação de reduzir tarifas, assim, tirar tudo que era possível, a gente viu que era uma oportunidade de antecipar essa retirada já que esses subsídios estavam crescendo muito, então veio a [lei] 14.120 com os 48 meses de prazo. E quando você cria um prazo final para um benefício que era um desconto para uso do sistema, você teve o efeito que também era sabido que ocorreria, que era as pessoas correrem para assegurarem esse desconto e todas as discussões com prorrogações de prazo.

Então, esse é um pedaço da discussão. Aí, outro pedaço da discussão. Tem a questão do financiamento do BNDES e a criação do preço de suporte para o mercado livre que já não precisava de leilões para viabilizar os empreendimentos. E em paralelo, o que a gente teve ainda além da discussão de abertura de mercado e a energia mais barata fornecida pelos projetos que estão sendo viabilizados por desconto no fio e traz benefício ao consumidor. São políticas que foram ocorrendo no paralelo.

E para completar temos a MMGD, cujas regras deveriam ser revisitadas em 2019, pois o uso da tecnologia deslanchou, mas a revisão não aconteceu. E aí existe uma grande pergunta, a Aneel devia ter feito isso ou não devia? Era uma política pública ou era uma regulação? Antes era uma coisa tão pequena que era, no fundo, como falamos hoje um sandbox, estava se testando formas de viabilizar tecnologias que podem ser interessantes para o sistema. Mas aí veio a discussão se estávamos tirando incentivos de tecnologias, fontes e segmentos da economia que tinham se consolidado. Assim veio a lei 14.300, o marco da micro e mini geração distribuída.

Tudo isso que eu falei é para dizer que o que você falou é verdade e tudo tem a ver com políticas, regulações, que elas começaram com coisas pequenas e que ganharam tração. O que, por um lado, é positivo, quando a gente pensa em economia nacional. Conceitualmente, o que a gente vem discutindo há muito tempo, e aí é o que está nos projetos de lei, é que não faz sentido mais manter esses subsídios todos. Primeiro que está muito caro e segundo porque as fontes são competitivas. Então seria muito melhor elas competirem por preço todo mundo sem subsídios.

CanalEnergia: E essa questão de novas cargas, pode ser a saída para redução de cortes ou essa sobreoferta advinda desse histórico deverá ser absorvida organicamente com o crescimento da economia que leva ao aumento da carga?

Agnes da Costa: Aí estamos falando de outras políticas públicas que não são setoriais, mas da neoindustrialização verde e talvez um olhar mais para a parte de inovação. Quem está tocando isso, obviamente, é o Ministério da Fazenda e o MDIC. Então, o que eles estão falando? Olha, se o Brasil, num cenário de descarbonização da economia global, tem energia renovável limpa, a gente tem que aproveitar isso para atrair investimentos para o Brasil, de preferência para criar emprego e renda, mas também para criar cadeias industriais no Brasil.

Então, para quem está na geração, isso é música para os ouvidos, porque é uma demanda que vem. E aí, o que eu acho é que, no fundo, a gente tem que olhar se tem impactos indesejáveis para o setor elétrico como ter que contratar mais potência diante da expansão das fontes renováveis que, sabemos, têm pouca previsibilidade. E assim, termos que buscar outras fontes para atribuir essa segurança de suprimento que gera custos e como estes são alocados.

Acho que todas as políticas são positivas para usar essa energia renovável, para agregar valor no Brasil, para gerar emprego, renda, indústria. Só que tem que fazer uma análise completa para justamente ver como a gente enquadra esses modelos de negócio e não cria distorções. Aqui na Aneel estamos fazendo isso. Do que eu observo, são discussões que o governo também está fazendo.

CanalEnergia: Há quem diga que essa situação dos cortes de energia, lembram muito o momento daquela judicialização do GSF, que chegou a R$ 10 bilhões antes de se pegar e chegar à solução via lei. Você acredita que realmente, ele se assemelha àquele momento do GSF, e que a saída seria mesmo via nova legislação?

Agnes da Costa: Olha só, eu espero que não. Nosso trabalho é para isso. A comparação pode estar baseada na expectativa de geração que, eventualmente, não se confirma. Esses dois casos são semelhantes, mas a frustração da expectativa de geração é diferente. No caso do GSF, a gente estava falando de deslocamento de hidrelétricas por políticas públicas que deslocaram essa geração. Não eram as hidrelétricas que estavam dando causa ao GSF. Nesse caso aqui foi a decisão dos agentes de entrarem no sistema, sabendo que pode ter demanda, não pode ter demanda, e aí eu estou falando muito mais da questão energética mesmo que gerou esse problema. Porque, assim, óbvio que ninguém precisa garantir demanda pra ninguém, mas todo mundo tem que partir do pressuposto que o sistema evolui, vão entrar novas tecnologias.

A discussão é se cabe algum tipo de melhoria nessas compensações. Mas o fato é que, diferentemente das hidrelétricas, do que eu me lembre, não me parece que lá elas concorreram para o obter os subsídios. Aqui sempre trabalha pra regulação se aplicar pra frente. Então, eu acho que a CP é importante para conseguir pacificar dentro dos melhores esforços, dentro daquilo que é possível, porque a gente sabe que não vai ser perfeito, mas será a melhor solução técnica.

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