O nome Matrinchã é conhecido na região norte do país. Pelos pescadores é o nome de um peixe considerado como o salmão brasileiro, onde sua carne se assemelha em textura e até mesmo em seu tom alaranjado. Já no segmento de transmissão é o nome adotado pela SPE formada entre a chinesa State Grid (51%) e a Copel (49%) que em 2012 arrematou em leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica o lote para construir a linha de transmissão e subestações para o escoamento da energia que seria produzida pelas UHEs Teles Pires (MT/PA, 1.820 MW) e São Manoel (MT/PA 700 MW), localizadas no rio Teles Pires, e que hoje vem sendo a causadora de dor de cabeça à Companhia Hidrelétrica Teles Pires por seu atraso de mais de um ano.
A usina homônima ao rio está com todas as máquinas prontas. Contudo, apenas uma está em operação comercial. As demais estão paradas, sendo três por conta da falta de capacidade de escoamento e uma por questões regulatórias, mas que também envolvem a falta de capacidade de transmissão para o seus testes e comissionamento. O resultado é que a usina que tem 1.820 MW de capacidade e garantia física de 930,7 MW médios só pode utilizar uma máquina, cuja capacidade nominal é de 364 MW. Ao mesmo tempo, a saída para a central é manter seu vertedouro com os quatro vãos abertos para escoar a água que se acumula em seu reservatório e que não pode ser utilizada.
Essa foi a situação encontrada pela reportagem da Agência CanalEnergia em visita à central de geração que fica localizada a cerca de 100 quilômetros da cidade mais próxima, Paranaíta (MT). De cima da ponte que dá acesso à usina, sobre o rio Teles Pires, é possível avistar um grande spray de água originado das comportas abertas para escoar o excedente do reservatório e que não pode ser usado para a geração de energia. Apesar de ser um espetáculo proporcionado pela parceria entre o homem e a natureza, no ramo dos negócios essa imagem vem trazendo imbróglio jurídico financeiro para as partes.
Em seu último dia como diretor da usina, Luiz Claudio Ramirez, disse que já há uma notificação extra judicial em andamento contra a Matrinchã Energia por conta desse atraso. Ele contou que a ideia é de futuramente cobrar o prejuízo que a geradora teve com a demora do acesso ao Sistema Interligado Nacional que foi o alvo de um termo de compromisso entre a CHTP e a Aneel acerca do atraso no fornecimento de energia e, consequente, descumprimento de contratos firmados junto a distribuidoras no leilão de energia nova A-5 de 2010.
O termo acertado com a Aneel em janeiro do ano passado previa a criação de uma conta gráfica na qual a exposição do gerador ao mercado de curto prazo, resultante do descasamento entre os dois empreendimentos, seria assumido pelas distribuidoras, mas que seria pago pelo gerador por um período de 20 anos. Ramirez não citou valores, mas afirmou a jornalistas que esse montante é o que deverá ser cobrado da transmissora em decorrência dos prejuízos causados pelo atraso de sua responsabilidade.
Os contratos da Teles Pires foram fechados em 2010 com o menor valor para uma usina hidrelétrica no Brasil até hoje, com R$ 58,35/MWh. Enquanto isso, o preço médio do PLD e, consequentemente, do mercado de curto prazo, no início do ano flutuou próximo ao teto regulatório estabelecido pela Aneel para 2015 que era de R$ 388,48/MWh. O volume financeiro, comentou, é o equivalente a 730 MW médios gerados por quatro meses, de janeiro a abril de 2015.
O empreendimento que deveria estar pronto em janeiro de 2015 engloba duas linhas de transmissão de 500 kV e 1.005 quilômetros de extensão que liga a subestação Paranaíta, que fica a 9 quilômetros da usina Teles Pires, a Ribeirãozinho (MT), onde as duas usinas serão conectadas ao SIN. Contudo, com o atraso, foi criado um atalho que ficou disponível em abril de 2015 na subestação de Cláudia para a SE Sinop, onde havia uma capacidade de escoar parcialmente a energia gerada em Teles Pires.
De acordo com o último relatório de fiscalização da Aneel, prazo mais recente para a entrada em operação da linha de transmissão era de 15 de abril de 2016. Entre os itens que são fiscalizados, o mais atrasado é o comissionamento que estava em 70%. Cabos e condutores estavam com um índice de 94%, o desenvolvimento físico do empreendimento estava em 98% e o desenvolvimento geral em 99%. Contudo, ainda não havia o novo prazo de conclusão da obra e liberação para operação comercial da linha, mantendo a restrição de escoamento da geração em Teles Pires.
Os sócios da usina são a Neoenergia, que terá até maio 51% do consórcio,em função da saída já programada da Odebrecht (0,9%) do empreendimento, Furnas e Eletrosul com 24,5% cada. O investimento na usina ficou em R$ 5 bilhões e houve a antecipação em quatro meses diante do cronograma original da Aneel.
Apesar de ser a 10ª maior hidrelétrica em capacidade instalada do país, ela possui números mais discretos que outras usinas recentemente construídas. A começar pelo número de unidades de geração que são apenas cinco do tipo Francis, da Alstom, mas com capacidade de 364 MW cada. A queda é de 59 metros e a barragem tem 1.650 metros de extensão por 80 metros de altura.
Ramirez destacou que Teles Pires deverá ser utilizada como a referência para o modelo de usina-plataforma que o governo federal pretende aplicar para as futuras UHEs a serem licitadas na região. Apesar de não ter sido leiloada originalmente com esse conceito, Teles Pires está em uma região isolada da Amazônia onde a cidade mais próxima está a cerca de 100 quilômetros, sendo que este percurso é atualmente feito totalmente em estrada de terra.
“A usina está tão isolada que naturalmente é complicado para que os operários se sintam estimulados a deixar o local. Por isso temos alojamentos que contam com toda a infraestrutura, até piscina, onde trabalham em turnos durante um período de tempo e depois retornam para a cidade. Assim como é feito em plataformas de petróleo”, destacou ele.
Esse isolamento é referenciado pelo número de famílias que precisou ser realocada, apenas uma. Outro fator que ocorre comumente com esse tipo de obra no país é a atração de atividades e serviços de olho no grande contingente de operários que estão concentrados no canteiro. Nesse caso, disse Ramirez não houve registro de qualquer tentativa de formação de assentamentos na região da usina. Ele credita esse fato a ações da empresa tomadas desde a chegada de migrantes em busca de trabalho no período de construção da usina, que hoje está concluída.
Agora, enquanto espera pela liberação da linha para o escoamento da geração total da usina, a CHTP foca na desmobilização do canteiro de obras e na recuperação das áreas onde houve a supressão vegetal para as instalações de diversos equipamentos utilizados no período de construção. A estimativa de Ramirez, que desde a década de 80 atua na construção de usinas e que agora começou a trabalhar na obra da UHE Baixo Iguaçu (PR, 350 MW), é de que em dois anos toda a área já esteja com a recuperação em estágio avançado.